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Cachimbo de Água

Blog de Francisco Luís Fontinha; poeta, escritor, pintor...

Blog de Francisco Luís Fontinha; poeta, escritor, pintor...


16.01.23

Um pedaço de azul roubou-me a noite

Dentro daquele cubo de vidro

Uma chuva de estrelas

Uma mãe que dá à luz uma estrela

Uma estrela que é filha do porteiro do cubo de vidro,

 

Os cortinados do pequeno cubo de vidro

Cortinados que apenas o sono sabe onde habitam

Uma miúda gira mostra a perna ao magala

Magala que às vezes se esconde no cubo de vidro

Quando a espingarda que transporta começa a disparar lágrimas de sangue,

 

O magala fuma os últimos cigarros da noite

Noite que vivia dentro do pequeno cubo de vidro

Tocavam os sinos

Erguiam-se os mortos das campas ensonadas onde aprendi a gatinhar

E trazia às vezes o mar junto ao peito,

 

Um pedaço de azul

Azul nuvem

Dentro do cubo de vidro

O vidro opaco da miséria

Que o magala trouxera do ultramar,

 

O magala escrevia versos

Versos que morriam à nascença

Poemas que se masturbavam na alvorada

Na primeira luz da manhã

Da manhã de uma espingarda.

 

 

 

 

Alijó, 16/01/2023

Francisco Luís Fontinha


03.05.22

Dos beijos ensonados

Às sílabas envergonhadas,

Dos pássaros cansados

Às tristes madrugadas,

Dos montes mimados

Às tardes revoltadas…

Da triste saudade

À misera esperança sem nome;

Do vinho martelado

Às poucas cartas que enviei,

 

À verdade,

À fome,

Ao poema que assassinei…

Do meu corpo enforcado

Às lágrimas que chorei,

Do vento,

Da solidão

E de todo o sofrimento…

E de todo o pão.

À chuva miudinha de Luanda,

 

Aos cheiros do amanhecer,

À fogueira…

Às espingardas sem coração.

Ao samba,

Ao prazer,

Ao uísque a bebedeira

Quando a noite parece esquecer,

Quando a noite parece morrer…

E o poeta dos beijos ensonados

Acredita em versos de dizer.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 03/05/2022


13.01.22

Deixei de escrever

Nos lábios da floresta.

Dos pássaros,

Regressam a mim

Os uivos apitos da saudade,

Como se eu fosse uma rocha indomável,

 

Disperso na manhã deserta das gaivotas.

Sei que há nas palavras

Verdadeiras equações de sono,

Versos invisíveis

Que durante a noite se transformam em sílabas,

No poema envenenado.

 

Deixei de escrever

Nos lábios amargos da floresta,

Os beijos nocturnos da insónia;

- Adoráveis submundos nas engrenagens da vida,

Ama-se. Mata-se.

Como se a vaidade fosse um pressuposto

 

Infinito do homem.

Ama-se e inverte-se a claridade lunar,

(e caso seja possível)

Ergue-se na humidade do silêncio,

Entre beijos

E abraços aprisionados.

 

Almoça o sono

Uma sanduiche de medo,

Na companhia dos beijos alicerçados à montanha do Adeus…

Ergue-se de mim e, deita-se na sombra tristeza da cidade,

Todos os automóveis e todas as rodas dentadas do passado,

Morrem de tédio; quantos aos pássaros,

 

Construídos em papel,

Dançam as cantigas desta triste caligrafia,

Que sublime e infinita,

Foge em direcção ao rio.

Deixei de escrever

Nos lábios da floresta,

 

E começo a guardar retractos de sombras,

Que a memória vai apagando,

Dia após dia,

Noite após noite;

E assim, vivo neste habitáculo de espuma,

Esperando que dos pássaros regressem a mim os uivos apitos da saudade.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 13/01/2022


12.08.17

Palavras!


Enigmas suspensos na madrugada,


O farol avariado, os barcos cerram os olhos, e escondem-se na neblina,


Palavras a arder,


Palavras escritas no fogo da paixão,


Quando a saudade morre devagarinho…


Os poemas despem-se das palavras,


Os livros adormecem sem os poemas,


E o papel amarrotado da tua pele… sedução encantada,


Palavras!


Tristes versos abraçados a tristes noites de Verão,


Sentidos pêsames, a partida para o outro lado do Universo,


E as estrelas amarguradas em fuga para o Infinito,


Verbo,


Os latidos desorganizados dos teus gemidos… quando o rio se suicida nos rochedos,


Em transe,


A ausência delas quando eu sentado espero pela alegria,


Ressequida,


Mortas todas,


As pedras que te atiro…


 


 


Francisco Luís Fontinha


Alijó, 12 de Agosto de 2017


16.12.14



(desenho de Francisco Luís Fontinha)


 


 


há versos felizes


versos sem nome


há versos cansados


versos esfomeados quando cai a noite


há versos esqueléticos


que nem o corpo em decomposição sabe ler


versos com fome


versos vestidos de rio


cidade


e paixão


há versos desempregados


versos enlatados


(nesta cidade em combustão)


há versos conservados em papel sibilado


versos rasgados


versos…


(nesta cidade em combustão)


há versos felizes


versos sem nome


há versos cansados


que nem o tempo consegue apagar


versos de amar


revolta


versos travestidos de soldado


de espingarda na mão


à espera que se abra uma porta


às vezes sem saída


às vezes… versos em vão…


que só o vício desembrulha quando nasce a madrugada.


 


 


 


Francisco Luís Fontinha – Alijó


Terça-feira, 16 de Dezembro de 2014


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