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Cachimbo de Água

Blog de Francisco Luís Fontinha; poeta, escritor, pintor...

Blog de Francisco Luís Fontinha; poeta, escritor, pintor...


28.05.23

20230528_163633.jpg

Desce a rua

O ausentado nocturno

Procura na algibeira o último cigarro do mês

Acende-o

E senta-se junto ao rio

 

Procura na paisagem

As estrelas de além-mar

E as estrelas de ontem

Algures entre o sono

E a décima quinta noite de insónia

 

Desce a rua

O aprumado esticadinho

O ausentado de Domingo

Sem perceber que na mão

Transporta o pecado da palavra

 

Desce

Desce a rua

O ausentado senhor

De livro na mão

Cigarro

O último cigarro do mês

E está feliz

Que feliz ele está…

O senhor

O Dom ausentado

 

Desce

Desce a rua

O ausentado nocturno

Procura um cadáver para alugar

Com vista para o mar

Um pequeno quartinho

E uma sala enorme…

Onde se senta

Onde se deita

Onde morre

 

Desce

A rua

Que desce o ausentado nocturno

Das flores migratórias

E das palavras avulso

Uma estória de morte

E sexo

Durante a noite

 

Desce

Devagarinho a rua do ausentado

Do Domingo de ausência

Em pequenas drageias de silêncio

E o que procura não encontra

Não sabe o que procurar…

E enquanto desce

Desce a rua

O ausentado senhor…

Uma lágrima de saúde desenha-se no seu olhar.

 

 

 

 

Luís

28/05/2023


09.05.23

O que resta de mim,

Um amontoado de ossos,

Sem nome,

Pedaços de nada,

O que resta de mim,

Depois de tantas tempestades,

Silêncios…

E mares;

Alguns, navegados.

 

O que resta de mim,

Depois que o silêncio se travestiu de mendigo,

Quando neste pequeno papel,

Escrevo-te aquilo que poderia ser uma carta de despedida…

 

Mas não me despeço

E vou andar por aí…

O que resta deste corpo em constante baloiço,

O que resta de mim,

Depois de o vento levar o meu cabelo,

As mãos com que afago o teu cabelo,

E os meus lábios…

Com que desenho nos teus lábios,

O beijo.

 

O que resta deste miúdo,

Que transportava uns simples calções

E umas sandálias em couro…

 

O que resta de mim,

O que resta de mim…

Um amontoado de ossos,

Sem nome,

Pedaços de nada,

E algumas palavras…

 

O que resta de mim

E da minha terra,

Onde o sangue jorra por entre o capim,

O que resta de mim

E da minha terra,

Quando a chuva cai…

E aquele cheiro inconfundível se ergue até ao céu,

 

O que resta de mim,

Poema do meu peito,

Palavra que respiro…

E em cada final de dia,

Vomito a solidão das noites aprisionado,

O que resta deste louco poeta,

O que resta de mim,

Deste pobre pintor…

O que resta de mim,

Quando Deus…

Não quer que reste nada.

 

 

 

Alijó, 09/05/2023

Francisco Luís Fontinha


18.04.23

Dilacerado corpo

Que dormes no Oceano de espuma

Corpo enforcado pelo luar da madrugada

Sentado nesta pedra fria e escura

E que no tempo se afunda.

 

Corpo coitado

Coitado dele…

Coitado do silêncio

E das tristes tardes junto ao rio

Coitado

Coitado do poeta

E do menino do poeta…

Coitado do menino em fastio

Perdido nas esplanadas da insónia.

 

Corpo cansado

Às voltas

Que não voltam

Das voltas que nascem no horizonte

Coitado do menino

Do menino do poeta

Coitada da montanha triste e só…

Coitada… coitada da avó e da neta.

 

Corpo dilacerado

Quando se esconde nas catacumbas de um falso sorriso

Corpo meu

Corpo sem juízo…

Poeira do meu corpo

Corpo teu…

Do teu que não tenho

O meu próprio corpo.

 

Duzentos e seis ossos

Alguns gramas de carne putrefacta

Carne do meu corpo

Do meu corpo

Que corpo?

Que raio de corpo

Precisa desta carne

Poeirenta

Bolorenta

Em decomposição lenta…

 

Sentado aqui

Descalço ali

Olhando o mar em declínio

Sem barcos

Nem marés

Nem bonés…

Cabeças ao vento

Cabelo prisioneiro das nuvens encarnadas

Ai que silêncio me escuta

Em pedaços de areia

Em pedaços de cicuta.

 

Dilacerado corpo

Sem corpo para venda

Palavras

Palavras

De que o meu corpo se alimenta

E bebe a cicuta

E não se lamenta…

Da tristeza das flores

Do sorriso dos pássaros…

E das abelhas

Que nem são flores

Nem são pássaros

Mas são abelhas em flor.

 

E chove dentro do meu corpo

E as janelas do meu corpo

Estão encerradas

São lâminas de saudade…

São lágrimas.

 

E chove nas tuas mãos

Menina do mar

Menina dos lábios de mel…

E das abelhas

Que nem são flores

Nem são pássaros

Nem papagaios de papel

Coloridos

Que uma mãe construía para o menino

O menino do poeta

Do poeta menino

Em calções…

Puxando um triciclo com assento em madeira

E volante de sonhos.

 

Dilacerado corpo

Este corpo que invento todas as manhãs

Deste corpo que cuido quando me deito

Neste corpo onde habitam tantos outros corpos

E não me queixo das estrelas

Nem dos barcos de esferovite…

Corpo em poema

Da cama em poesia

Ao corpo sem corpo

Ao corpo de cada dia.

 

Depois tenho os gonzos das portas do meu olhar…

Todas…

Todas dilaceradas

Dilacerado corpo

Dos volantes e das vielas

Porcas e parafusos

Fusos

Sei-te lá que mais exista dentro deste meu pobre corpo

Depois oiço um pequeno gemido

Um enorme grito de revolta

A Terra não se cansa de girar

O cão do vizinho não pára de ladrar…

E tudo é pó

E tudo se transformará em poeira

E o ontem não volta.

 

 

 

Alijó, 18/04/2023

Francisco Luís Fontinha


07.04.23

Vestes-te de encarnado

Para o meu enterro

E sabes, meu amor

Uma mulher vestida de encarnado

Tem outro encanto,

 

Tem outro alento.

Vestes-te de encarnado

Para te despedires dos meus olhos verdes

Das minhas mãos pinceladas de tristeza

Quando acorda a manhã,

 

E quero que o meu enterro

Seja discreto

Simples

Tão simples… como foi a minha vida…

Tão simples, meu amor…

 

Tão simples como são os meus olhos

Quando poisam neles as lágrimas de uma tela

Sem nome

Com nome…

Entre parêntesis,

 

Vestes-te de encarnado

Para o meu enterro

E sabes, meu amor

Quero que o meu enterro seja tão belo

Como de tão belo és tu, vestida de encarnado.

 

 

 

Francisco

07/04/2023


06.04.23

Um cristal de tristeza

Procura-te nas manhãs submersas

Das manhãs ensonadas

Dos insectos

E das árvores abandonadas,

 

E se da tua mão

Um mísero silêncio de fogo

Abraçar o meu rosto

É porque sou um poema…

É porque sou a tristeza,

 

Sem nome

E de muito mau gosto

E depois desse cristal de tristeza

Outros cristais em tristeza

Perfuram todo o meu corpo; e todo o caos se mistura em nós.

 

 

 

Francisco

06/04/2023

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