Dizem que o vento o levou e, semeou nas páginas da insónia o poema paixão.
Poema paixão
Escrevo a minha última carta
Para as longínquas estrelas.
Flores que se amam, há muitas,
Desde que as palavras escritas,
Adormeçam nas extintas lágrimas da noite;
A paixão levou-o num barco em papel
Dançando nas pequenas sílabas
Do Outono passado.
O dia desaparece na página de um velho livro,
O velho mendigo, de cigarro na algibeira,
Dá aulas de Filosofia numa esplanada invisível, junto ao Rio;
O pequeno-almoço, morreu-lhe
E sempre que se recorda do retracto junto ao pôr-do-sol,
O mar parece doido, cansado, de tanto vigiar os rochedos da morte.
Traz no rosto as lágrimas da saudade,
Reza religiosamente às sombras da cidade e,
Uma estátua aparece a cada vez que o mesmo mendigo
Consulta o relógio da ausente do pêndulo uniformemente acelerado.
Calcula a velocidade da queda,
Verifica que a aceleração é contante,
Dentro de uma máquina fotográfica.
Semeia imagens nos socalcos da infância,
Desenha tentáculos de esperma
Nas nuvens de antigamente e,
Travestido de sonífero, foge da cidade.
Cada noite é um colchão envenenado pelo silêncio,
Cada beijo,
Uma flor perfumada no sorriso da areia,
- “Escrevo a minha última carta
Para as longínquas estrelas”
Pudera;
A paixão é uma lágrima na cara do objecto,
Desenho tranquilo,
Deserto,
Faminto.
Ama-se de quê?
Como a morte.
Morre-se.
E, ama-se.
A noite é um emaranhado de fios condutores, vêem-se todas as lágrimas de electrões, protões e todos os cabrões das vaidades incompreendidas, a esmola é muito e, de gorro na cabeça, depois de nascer o sol, vomita as equações que silenciaram durante a noite; o cio.
A dor da mão quando escreve na terra húmida, todas as coisas mortas, visivelmente como uma janela virada para o mar.
Quatorze horas de fome, almoços cansados sobre a mesa e, o velho mendigo, de tanta Filosofia, entoirido de medos e lagartos sem nome. Primeiro vem o beijo desejado pelas palavras escritas, metáforas e animais mamíferos, toca o despertador;
- Morreu entre as duas e as três -
Entalado?
Cercado por uma cerca eléctrica, que só as cidades conseguem construir.
- É isto a loucura? -
Uma laranja embriagada nas cinzas de uma eira abandonada. E, toca o despertador para a ordinária equação de todos os gomos envenenados, desertores de uma guerra de palavras, sobre a cabeça dos homens.
- Isso dói? -
Mais rápido que a velocidade da luz, o anzol procurando a sua presa acabada de se enforcar nos seios de uma aranha, há música sobre os ombros dos alicerces não terminados, o carpinteiro procura a enxada, vomita pequenas línguas de fogos, aquece as mãos durante o Inverno
- Que horas são, meu primeiro poema? -
Ontem pertencias aos mares navegados por petroleiros de ossos, gaivotas de vidro e, pequenos adornos ao pescoço.
Durante o Inverno, perto da noitinha abençoada, acende a lareira do sono, deita a cabeça sobre o peito dela e,
Segreda-lhe muito baixinho;
Amo-te.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 09/08/2021