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Cachimbo de Água

Blog de Francisco Luís Fontinha; poeta, escritor, pintor...

Blog de Francisco Luís Fontinha; poeta, escritor, pintor...


24.09.23

Meia-noite

O teu corpo silencia-se nos meus lábios

Sinto medo

Tenho medo de que o teu corpo se vista de folha de papel

E voe para o mar

E fique eternamente no mar

 

Tenho medo que os meus lábios

Machuquem o teu corpo

Quando é meia-noite

E tenho nas mãos o desejo

Tenho medo

Tenho medo que seja meia-noite

 

E que o teu corpo se confunda com um beijo

Tela adormecida na parede do teu olhar

Não tem nome

Ele

Não tenho nome

Eu

 

Meia-noite no teu corpo

Meia-noite de prazer

Quando numa outra longínqua meia-noite

Te peguei devagarinho

Tão devagarinho que a Terra parou de girar…

E o teu corpo ficou eternamente meia-noite

 

 

24/09/2023


09.04.23

Beijo cada milímetro quadrado da tua pele

Nocturna manhã das alegres tempestades em desejo

Beijo o teu corpo

Beijo a tua mão

E da janela que nos abraça antes de adormecer

Ouvem-se as canções e todos os silêncios do prazer

Ouvem-se as madrugadas

Ouvem-se os teus gemidos

Quando toco nos teus seios…

E uma flor de sémen levita em direcção ao mar

E uma flor de sémen se perde nas minhas palavras.

 

 

 

Alijó, 09/04/2023

Francisco Luís Fontinha


14.01.23

No silêncio da noite

Abraço-me às cinzas do teu olhar

Derradeiro desejo que toca a tua pele incandescente

Que no lençol do prazer

Deixa ficar as palavras murmuradas,

 

Na lareira

Os meus ossos desistem da madrugada

E a terra arável das minhas mãos

Evapora-se nos teus seios,

 

Como são transparentes as tuas mãos que me tocam

Num infinito gesto de protecção

Como são belos os teus olhos que me excitam

E desenham em mim as estrelas sem nome

E me oferecem os gemidos nocturnos da paixão,

 

Do silêncio da tua pele

Pedacinhos de mar escondem-se nas tuas coxas de insónia

E da lareira onde os meus ossos desistem da madrugada

Vem a mim o teu orgasmo disfarçado de sono,

E a manhã acorda numa fotografia

E traz a prisão das Pirâmides

E os dedos que te excitam nas noites envergonhadas…

 

 

 

 

Alijó, 14/01/2023

Francisco Luís Fontinha


28.11.22

Nunca vi o mar.

Se eu pudesse, desenhava o mar nos teus olhos, se eu pudesse, escrevia o poema nos teus lábios quando nasce o Sol, depois, subia à montanha mais alta do planeta terra e conversava com Deus; se eu pudesse conversar com ele, não lhe diria nada, como nada digo com quem converso.

Mas reconheço que tenho uma certa inquietação e digamos que…

Um desejo?

Não, minha querida, não.

Mas se eu pudesse, perguntava-lhe onde estão todos os papagaios em papel que lancei, e hoje, brincam juntamente com ele, no céu.

Mas reconheço que tenho uma certa inquietação e digamos que…

Medo?

Não, minha querida, não,

Sabes, nunca tive medo.

Pela manhã pedíamos uísque, torradas e cigarros, depois, levantávamos voo sobre a cidade e só voltávamos quando sabíamos que todos os barcos que dormiam no Tejo já tinham zarpado em direcção ao terceiro esquerdo da rua nas floreiras adormecidas; subíamos as escadas, cambaleando no sono invisível da madrugada, abríamos a porta de entrada, com acesso a uma pequena divisão onde adormeciam livros, discos e sombras e fotografias, depois abríamos a janela e da rua chegavam a nós todos os nomes que tinham passado pelos corpos que às vezes deixávamos junto à esplanada, o Tejo, cansado da noite, deitava a cabeça nas minhas pernas, declamava-lhe um poema e ficávamos assim, invisíveis, até que a noite descia sobre nós – na algibeira, cinco cêntimos de euro.

As palavras que lançávamos contra a parede que dava acesso à varanda, e sempre que acreditávamos que tínhamos o Sol escondido no peito, depois de bateram contra a janela, acabavam por regressar a nós.

E se podíamos deitar fora todas as coisas possíveis e imaginárias, às palavras, nunca o conseguimos, até que um dia, eu e o mar, começamos a lançar da varanda, papeis escritos e rasurados, desenhos, riscos, diversa mobília e um par de calças; e não sabíamos que a paixão tinha tomado conta das nossas mãos, e uma noite, percebi que tinha a minha mão entrelaçada com a mão do mar.

Medo?

Não, minha querida, não,

Sabes, nunca tive medo.

Fiquei tão feliz, olhei-o e pela primeira vez, beijei o mar.

Um desejo? E o Tejo?

Não, minha querida, não.

A alvorada trazia a nós todas as canções que a noite semeava num qualquer bar, numa qualquer rua, junto ao rio. Do meu mar, aquele que nunca tive a oportunidade de olhar, escrever ou pintar, chegavam a mim todos os silêncios que um poeta medíocre como eu, poderia ter.

E mesmo assim, quando me faltavam as palavras, tocava-lhe nos seios, e já com as minhas mãos nas suas coxas poéticas que apenas a noite consegue descrever (eu nunca serei capaz de o fazer), deixava sobre a sua pele o mais belo poema de amor.

Acusaram de homem louco. Acusaram o poeta de medíocre, e hoje vende versos ao domicílio com a promoção de leve dois e pague um. E não é preciso adivinhar o resultado, quando ninguém consome poesia nos dias de hoje; a fome.

O desejo invadia-nos naquele apartamento e no terceiro esquerdo da rua nas floreiras adormecidas, eu e o mar, escrevíamos no pôr-do-sol as lágrimas das manhãs que teimavam em regressar sempre ao teu púbis, como se este, ao contrário das ruas e de todos os esconderijos da cidade, fosse o único lugar do planeta terra onde poderia encontrar Deus; e ele, nunca me quis ouvir.

Um desejo?

Não, minha querida, não.

E a paixão habita neles como habitam em mim os papagaios que fazem companhia a Deus, nos céus de Luanda.

 

 

 

 

 

Alijó, 28/11/2022

Francisco Luís Fontinha

(ficção)


09.12.21

Quando acorda a madrugada

E poisa docemente no chão

A triste geada;

Levanta a mão

Sobre o amanhecer,

 

Como se fossem silêncios de escrever,

Como se fossem palavras a arder,

No corpo algemado

Ao sombreado

Erguer.

 

Quando acorda a madrugada,

Acreditando,

Tal como eu, na noite encantada,

Da noite amedrontada,

Levantando

 

A mão sobre o amanhecer.

E que me sento sem o saber,

Puxo uma cadeira invisível, depois de puxar um leviano

Cigarro sem asas; oiço a voz rouca do piano

Saltitando na sala procurando o prazer.

 

Talvez o prazer

De ler.

Talvez o medo de viver,

Esta vida das palavras amarguradas,

Esta vida dos livros poeirentos,

 

Talvez das tristes madrugadas,

Acordem todos os sentimentos,

Talvez o prazer

De ler,

Talvez o prazer de nada fazer.

 

Quando acorda a madrugada

E poisa docemente no chão

A triste geada;

E este alegre coração,

Voa sobre o mar agachado na areia…

 

Talvez o prazer

De ler.

Talvez o prazer

De escrever.

Talvez seja tudo isto que me chateia.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 09/12/2021

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