29.04.23
Vou contar-te uma história.
Uma história?
Sim, uma história…
Há muitos anos,
Muitos?
Sim, muito, muitos…
Havia um menino, o menino dos calções, que desenhava no mar barcos em papel e tinha no tecto onde dormia, estrelas, estrelas que falavam,
Que fixe, estrelas que falavam!
As estrelas falam?
Nem todas, estas sim.
O menino passava as tardes debaixo da sombra das mangueiras a sonhar, sonhava que um dia, um qualquer dia, voava, que um qualquer dia todo o mar era só dele, sonhava, sonhava muito,
O que é sonhar?
Sonhar…
Sonhar é vestir-se de pássaro, e
Voar.
Sonhar é vestir-se de pássaro e voar sobre a cidade, quando a cidade, toda a cidade, está escondida no cacimbo, sonhar é vestir-se de pássaro e voar em cada manhã que acorda, quando o sono já dorme,
Também posso vestir-me de pássaro e voar?
Sim, claro, claro que sim… e deves.
Um dia, o menino dos calções e das estrelas em papel, um qualquer dia, descobriu uma caixinha muito pequenina, muito
Muito, muito?
Sim… muito pequena, e nesse dia, um qualquer dia, tentou abrir a caixinha, tentou, tentou… até que consegui,
O que tinha a caixinha?
Olha… um coração,
Um coração?
O que é um coração?
Bem…
Para mim, que estudo engenharia mecânica e que nunca serei engenheiro, o coração é uma bomba, apenas isso, uma bomba que não se cansa de trabalhar, noite e dia, dia e noite, até que um dia, qualquer dia, pára. Para outros, o coração é amor,
O menino pegou com muito jeitinho no coração, olhou-o como se olham as flores, com muito cuidado (olha, nunca trates mal as flores)
Porquê?
Porque as flores também sofrem… e precisam de amor e carinho, tal como as estrelas que falavam e que brincavam todas as noites no quarto do menino dos calções e das estrelas em papel,
E enquanto o menino fazia festinhas no coração, este… este sorriu-lhe e disse-lhe
Olha, gosto muito de ti.
O menino não queria acreditar, e desde então, até hoje, o menino tinha sonhos, vestir-se de pássaro e voar…
O menino acreditava, que um dia, um qualquer dia, o mar lhe entraria pela janela, e o levava para muito longe, onde outros meninos, também eles com calções e que tinham estrelas em papel no tecto do quarto e que também elas, como as do outro menino falavam, seria sempre o menino dos calções,
E hoje, ainda é o menino dos calções?
Não, não…
Com os anos, o menino deixou de se vestir de pássaro e de voar…
E a cidade que se escondia dentro do cacimbo?
Está lá…
Está lá, muito longe… tal como as asas do menino dos calções e das estrelas em papel.
Nunca deixes de te vestires de pássaro e voar…
Alijó, 29/04/2023
Francisco Luís Fontinha