01.01.23
Ninguém cobre o mendigo
Nem a noite o protege
Das estrelas,
O pão que ele transporta na algibeira
São os meus cigarros
Porque de pão não vivo
Tão pouco vivo de pequenos luares
Que se estendem sobre o mar,
E do pão
Nasce o dia
O dia do mendigo que de pouco lhe serve
Quer lá saber o mendigo do dia
Ou o dia do mendigo,
E podíamos ser todos felizes
O mendigo feliz com a noite
O dia feliz com as lágrimas do mendigo
O luar muito mais feliz de que ambos
E o poema está feliz com o poeta,
Poeta que ainda não é mendigo
Poeta que é o coveiro das palavras
As boas
E as fumadas
Porque o poeta fuma palavras
E o mendigo fuma os cigarros do poeta
O poeta que descobre a noite
E quando se senta junto ao rio
Deixa-se ficar por ali…
Depois aparece o mendigo
Aprece a noite
E o cobertor
O cobertor que serve para o poeta cobrir o mendigo,
E quando batem à porta do meu postigo
Uma trave de sono cai
Cai sobre a cabeça do mendigo
O mendigo que fuma o pão
E bebe as palavras já fumadas pelo poeta,
E um beijo se despede da alvorada
Enquanto o mendigo e o poeta
Fumam todas as estrelas da noite;
E a noite sem estrelas
É como o dia sem palavras
Quando o fantasma da solidão
Abraça o mendigo
E acorrenta o poeta à melancolia do silêncio,
Porém
Ainda não o sei
Deixei de ver o mendigo
Deixei de ver o cobertor que servia para eu cobrir o mendigo…
E agora
O mendigo descoberto
Morre
Como morrem os poemas no leito em desejo.
Alijó, 01/01/2023
Francisco Luís Fontinha