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Cachimbo de Água

Blog de Francisco Luís Fontinha; poeta, escritor, pintor...

Blog de Francisco Luís Fontinha; poeta, escritor, pintor...


10.12.22

Se eu não morrer

Ensinar-te-ei a escrever as primeiras palavras

As tuas primeiras equações

Gostas de equações

As mais simples

Às mais complexas

Equações trigonométricas

Equações de segundo grau

Equações diferenciais

 

Se eu não morrer

Levar-te-ei a ver o primeiro clarear da manhã

O teu primeiro luar

O primeiro pôr-do-sol

Se eu não morrer

Ler-te-ei o primeiro poema

Tantos poetas que tenho para te mostrar

Herberto

AL Berto

O'neill

Cesariny

Se eu não morrer

Ler-te-ei textos de Proust

Gogol

Ou de Luiz Pacheco

 

Se eu não morrer

Ensinar-te-ei a desenhar nos lábios da madrugada

A pintar o sono na geada

Se eu não morrer

Levar-te-ei a ver o mar

E os barcos da minha infância

E as mangueiras da minha infância

 

Se eu não morrer

Ler-te-ei os meus textos

Os meus poemas

Os meus livros

E mostrar-te-ei as minhas telas

 

Se eu não morrer

Mostrar-te-ei como se constroem pontes

Edifícios muito altos

 

Se eu não morrer

Oferecer-te-ei os teus primeiros livros

As tuas primeiras tintas

As primeiras telas

Se eu não morrer

Tirar-te-ei os teus primeiros retractos

E conhecerás as tuas primeiras cidades

Vilas

E aldeias

Se eu não morrer

Levar-te-ei ao Tejo

E a todos os rios do Planeta

Onde há um rio para olhar

 

Se eu não morrer

Ouvirás todo o tipo de música

E assistirás a todo o tipo de dança

Se eu não morrer

Levar-te-ei ao circo

Ao teatro

Cinema

 

Se eu não morrer

Farei tudo isso

Enquanto sentado numa cadeira em frente à Baía de Luanda

Espero que me levem

Que me levem para as sombreadas paisagens de prata

E me deixem brincar no telhado zincado de uma nobre cubata

 

Se eu não morrer.

 

 

 

 

 

Alijó, 10/12/2022

Francisco Luís Fontinha


14.09.22

(á minha mãe)

 

 

Quando regressa a tristeza,

Invento o sono sonâmbulo da madrugada,

Estendo a mão para o rio,

Ergo-me sobre a montanha,

Quando regressa a tristeza,

Desenho-te na vidraça da minha triste janela…

Como se fosses um pequenino pássaro

Em busca de liberdade,

 

Como se fosses a saudade

Da tristeza anunciada,

E caminho por esta estrada,

Só, muito só…

Como se fosses o sol

Das tardes de Verão,

Quando regressa a tristeza,

Invento lágrimas de luar,

 

Como se fosses uma árvore na alvorada

Com estrelas em silêncio

Em sombreado desenhar.

Quando regressa a tristeza,

Escrevo-te nesta pequena folha quadriculada…

Como se fosses uma complexa equação

Numa pedra sentada…

Sem perceberes que a matemática é paixão,

 

É beleza.

Quando regressa a tristeza,

Abraço-me, escondo-me neste quarto escuro,

Como se eu fosse a tua sombra…

Como se eu fosse a tua própria tristeza.

E quando regressa a tristeza,

Puxo de um cigarro…

À espera que a tristeza morra.

 

 

Alijó, 14/09/2022

Francisco Luís Fontinha


30.08.22

(de todos os meus professores, guardo saudade e amizade; mas o professor Mário Abrantes, conseguia aliar a arte ao cálculo, e as suas aulas eram um poço de cultura geral. Grande abraço, professor)

 

Tínhamos na mão

As sete esferas da saudade,

E sabíamos que dentro do cubo de vidro,

(a prisão das palavras)

Havia uma janela com fotografia para o mar.

Depois, acordávamos abraçados às sete espadas da liberdade

Que guardávamos dentro de um caderno quadriculado.

Víamos a nossa imagem no espelho da madrugada,

Quando nas frestas em gesso, um crucifixo sorria…

E dávamos conta que este sorriso pertencia

À criança mais feliz da aldeia.

As palavras chegavam-nos através da velha alvorada,

 

Enquanto sobre as mangueiras,

No distante quadrado, víamos as gaivotas em cio,

E não percebíamos o que era a paixão.

Escrevíamos.

Dançava-mos sobre os pequenos charcos

Que pela manhã acordavam e ainda transportavam no olhar

O desejo preguiçoso que só o poema consegue descrever.

Tínhamos na mão

As sete esferas da saudade,

E como crianças que éramos, das palavras

Inventávamos asas

Como inventam os pássaros antes de morrer,

 

E não sabíamos que os peixes,

Entre parêntesis sonâmbulos,

Resolviam equações complexas,

Que apenas o professor Mário Abrantes percebe,

E nós, apenas percebemos de desejo.

E nunca sabíamos se as sete esferas da saudade

Sabiam o que é o mar…

O que é o mar?

Perguntava-me um pedacinho de sombra

Quando descia o pôr-do-sol e junto a mim,

Sem o saber… um pedacinho de luz beijava-me,

E eu tinha medo do sono.

 

Acordava a manhã,

No quadro uma mistura e letras e números…

Quando perguntam o que era…

Eu…

Série de Taylor;

Como se isso interessasse para dois cubos apaixonados.

Não sei o que é a chuva!

Apenas recordo os longos lábios de cacimbo

Sobre os meus frágeis ombros,

E mesmo assim,

Um barco deitava-se no meu colo,

E das suas coxas, ouviam-se os apitos da solidão.

 

 

 

Alijó, 30/08/2022

Francisco Luís Fontinha


21.11.21

Era um sábado triste; ela tinha morrido.

Quando me perguntaram o que era a ausência e a saudade, respondi que ambas são uma equação matemática sem resolução.

Não gosto de conversar com psicólogos, respondi-lhe.

Aos poucos, a manhã levanta-se de um sono hibrido, parecendo um buraco nego esquecido no Universo. Entrei, sentei-me e, pedi um café. Enquanto saboreava o primeiro café de muitos, percebi que na TV falavam de uma imbecil qualquer, que eu desconhecia, por ignorância e, que tinha arrasado com um determinado vestido, numa determinada gala. Confesso; nada percebo de vestidos. Na percebo de galas.

Cansei-me da TV e apenas oiço rádio e tenho como companhia a TSF.

Era um sábado triste. Aos pouco percebi que todas as flores do meu jardim se preparavam para o passeio matinal de um sábado triste. Indiferente, puxei de um cigarro e sentei-me junto a elas. Comecei a desenhar no chão uns riscos estranhos, que só me lembro de os ter feito quando do falecimento do meu pai.

Esses riscos, esses desenhos, acompanham-me diariamente e, quando me perguntam o que é a ausência e a saudade, respondo que são uma equação matemática sem resolução; e claro, não gosto de conversar com psicólogos.

Despedia-se de mim o sono e todos os sonhos da minha infância. Estar vivo, era sem dúvida um presente de Deus; dizia-o a minha mãe, vezes sem conta e, acredito que ela tinha razão.

Imaginem, por hipótese, que Deus não é nada mais do que uma complexa equação matemática que vive, brinca e, dorme nas nossas mãos.

Imaginem, que essa mesma equação, um dia, vai ser descoberta e resolvida.

Parece que estou a ver essa equação, dormindo na minha secretária.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 21/11/2021


16.10.21

Duzentos e seis ossos

Sentados na esplanada do sono,

Sob a álgebra da insónia,

Mesmo junto ao rio,

Um fio de sémen desenha a tempestade;

Rodas dentadas entrelaçam-se

E amam-se no espelho do luar.

Regressa, pela noite, o cansaço,

Traz com ele a ínfima equação do desejo

Que percorre as ruas da cidade,

Que acaricia com a sua mão

Os seios tempestuosos do silêncio.

Escreve-se o poema

Na tela argamassada do abraço,

Quando uma fina névoa de suor

Lhe percorre as coxas de aço.

O poeta solda uma pequena chapa de saliva

À boca do púbis,

E, todos os pássaros da aldeia

Dormem abraçados aos parafusos do gemido;

E o poeta cansado,

Desenha no corpo da amada sombra,

Uma língua de solidão,

Com janela para o abismo.

Transcreve para o jardim das pilas mortas

Todos os sonhos da infância,

E todos os brinquedos,

E todas as palavras,

Suicidam-se no hotel do sofrimento.

Eles morrem.

Elas, não morrem.

O luar deita-se nas coxas do poema

Como se fosse uma corda em nylon

Suspensa nos lábios da manhã;

Batem à porta e,

Trazem-lhe um punhado de fome,

E, trazem-lhe uma equação de cansaço.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 16/10/2021

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