Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Cachimbo de Água

Blog de Francisco Luís Fontinha; poeta, escritor, pintor...

Blog de Francisco Luís Fontinha; poeta, escritor, pintor...


30.11.22

A paixão cresce

Na planície de cardos

Enamorados;

E desta cidade de árvores e telhados

Oiço a tua voz nocturna que me aquece.

 

É a voz que oiço ao deitar

No diário que escrevo,

E sei que não devo,

Erguer-me manhã cedo…

Apenas para desenhar os teus olhos de mar.

 

Mas faço-o com todo o prazer,

Olhar os teus olhos de mar salgado

Que este meu veleiro desgovernado,

Só e cansado,

Galga a maré; e tudo faz para te ver.

 

 

 

Alijó, 30/11/2022

Francisco Luís Fontinha


26.09.22

Deixou cair as asas sobre o mar e adormeceu; no dia seguinte deu-se conta que todas as fotografias que tinha escondido dentro da pequena caixa de sapatos número trinta, rés-do-chão esquerdo, tinham desaparecido como anteriormente já tinham desaparecido dois livros de poesia de AL Berto, um livro do Pacheco e um outro de Lobo Antunes.

Com os livros de poesia de AL Berto, muitos anos antes de perder as asas, teve uma enorme discussão, pois estes quase sempre não gostavam de ser manuseados, folheados, quanto ao livro do Pacheco, esse, estava sempre com dor de cabeça.

O dia erguia-se entre os seios dela, da rua, regressavam aos poucos as loucas buzinas dos transeuntes em delírio, como regressam ao final da tarde os estorninhos parecendo uma orquestra de zumbis, mas quanto aos dois livros de poesia de AL Berto, hoje, e enquanto os folheava e manuseava, não se queixaram de tal, até que o livro do Lobo Antunes me questionou a razão do par de asas estar sentado sobre eles, quando poderiam muito bem estar na minúscula sala de jantar; e porque não suporto birras nocturnas, puxei de um cigarro e fui ver o maldito mar daquela última noite.

O mar estava chocho, a maré tinha acabado de deixar o quarto e nele deixou impregnado o invisível perfume que apenas as marés usam, junto à janela havia uma secretária onde dormiam pedaços de papel escritos no século passado e que ele já nem se recordava; que conste que tratava-se apenas de algumas cartas que nunca foram enviadas, portanto sem remetente, e duas ou três receitas de culinária que nunca se atreveu a experimentar.

O mar estava enjoado. Nos lençóis, uma pequena mancha de esperma, desenhava a manhã que mais tarde acordaria e ninguém saberia se ia terminar. Numa das paredes, pequenas frestas olhavam-no, e começou a acreditar que estava a ser observado pelo defeituoso silêncio que muitas vezes se alicerçava sobre o peito e, quase sempre não entendia a razão.

Sabia que um dia seria apelidado de anjo azul, de azul tinha o pulso pincelado, mas de anjo, de anjo nada tinha, apenas as asas que deixara cair sobre o mar.

Sabíamos que a noite trazia sempre uma pequena malga de sopa, uma sandes de nada e dois ou três cigarros, depois, acreditando que sabia voar, colocou as asas e lançou-se da clarabóia…

Estatelou-se no pavimento como se fosse um pássaro que acabasse de sofrer um AVC, até que do mar, em passo apressado, vieram em seu auxílio as fotografias que tinham desaparecido da pequena caixa de sapatos; ouviam-se os lobos que aos poucos se despediam da maré, e esta, partiu.

Ele, depois de acordar, abraçou-se aos pequenos lençóis e ainda hoje inventa o sono antes de regressar a noite às suas mãos.

 

 

Alijó, 26/09/2022

Francisco Luís Fontinha


07.07.22

Perdias-me enquanto o mar entrava pela janela, e do silêncio das pedras, ouvíamos as palavras parvas das tardes de orvalho. Sabíamos que da noite ressuscitaria o poema que anos mais tarde se suicidaria nas velhas planícies das sílabas ensonadas.

E mesmo assim, perdias-me.

Levantávamos as estátuas embriagas que do jardim escutavam os gemidos nocturnos das marés em flor, depois, dançávamos até que o luar descia madrugada abaixo e,

Dançávamos,

E víamos os barcos em pequenas brincadeiras metalomecânicas que ainda hoje vagueiam nas esplanadas que só o rio sabia desenhar.

Dançávamos,

Até que o teu esqueleto de prata se fundia nas mãos do silêncio; acabava a noite quando lá longe, muito longe, a corda da solidão percebia que seria o último beijo.

Estou aqui. Estou acolá. E dançávamos até que acordava o penúltimo poema do desejo.

De pão, nada tínhamos. Mas tínhamos as pedras para amar. Mas tínhamos nas mãos o testamento segundo o seu último desejo; que nós fossemos sempre criança.

Crescemos, crescemos…

E ainda hoje somos crianças de farrapos.

Perdias-me enquanto o mar entrava pela janela, perdias-me enquanto a maré assassinava os teus seios numa tela cansada de luz,

Amém,

Que hoje gritam as almas mortas; assim seja, Nikolai Gogol. Que assim seja.

Porque dançávamos depois do banho, quando o mar entrava pela janela.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 7/07/2022


04.04.15

A barca desgraçada


Recusa-se a regressar


Inventa palavras


Desenha gemidos nas pedras


Vãs


E cansadas


A barca


Não


Sabe


O horário da morte


Finge dormir debaixo de uma lápide


De espuma


Canta a cidade


Os húmidos sorrisos da madrugada


A barca


Desgraçada


Recusa-se


Regressar


Aos teus braços


Ao teu corpo


Noite


Cama


A janela enclausurada nas tuas mãos


Mão


De veludo


As cabeças dos ventrículos de vidro


Nas fretas da insónia


Há sonhos


Há… há um esconderijo no teu peito


Os olhos te prendem


E não consegues liberta o sofrimento


Adeus


Ontem


A mão


De veludo


Recusa-se


A beijar-me


O vício curvilíneo dos telhados de zinco


As crianças lançando bolas de farrapos


Em chamas


Balas


A espingarda do silêncio


PUM…


Nas camufladas salas de jantar


O cadeirão sem pressa para descansar


Cerra os prateados ombros


Deita-se


Deita-se nas linhas transversais do infinito


Não


Espero


Nada


Teu


Olhos


Mãos


Mão


Não



Suicídio nas tuas coxas


A claridade dilui-se docemente na tua boca


Finas


Cores


Da tela em supérfluas marés de medo


O sono


E a alma de não ter alma


Desamadas


As flores do jardim do último beijo


A última carícia do teu perfume


As calças de ganga


Sentadas no cadeirão em fuga


E depois de terminarem os cigarros


Nada


Hoje


Finjo e fujo


Saltando o muro dos teus lábios…


E nos teus lábios


STOP


O vermelho semáforo envenenado na tua pele


Os pregos


Os sítios obscuros do teu corpo


Dançam e cantam


Hoje


Não


Mão


Mãos…


 


Francisco Luís Fontinha – Alijó


Sábado, 4 de Abril de 2015


06.01.14



foto de: A&M ART and Photos


 


A insignificante maré de desejo que a palavra deixa sobre o corpo envelhecido da morte


a espuma translúcida do abismo camuflado nas noites em delírio


o cigarro mal apagado


caminhando ruas pouco iluminadas


cadentes


velhas...


calçadas permitindo o sexo sobre os fantasmas das cortinas de fogo que saltitam do circo em miniatura


a insignificante maré que eu sinto na minha algibeira


fundeada em Cais do Sodré...


sem eira nem beira...


a terra não prometida


o deserto que te absorve e alimenta


e come em pedaços de açúcar misturados com azedos olhares


as árvores que sombreiam as tuas mãos de pérola emagrecida...


tão triste


e... e tão querida.


 


 


(não revisto)


@Francisco Luís Fontinha – Alijó


Segunda-feira, 6 de Janeiro de 2014


Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2023
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2022
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2021
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2020
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2019
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2018
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2017
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2016
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2015
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2014
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2013
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2012
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2011
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub