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Cachimbo de Água

Blog de Francisco Luís Fontinha; poeta, escritor, pintor...

Blog de Francisco Luís Fontinha; poeta, escritor, pintor...


07.12.22

Vou abrir todas as cancelas da noite

As visíveis e as invisíveis

Acendo o luar

E ligo a telefonia

Vou à janela

Abro-a

Puxo de um cigarro

Acendo-o

Estendo o braço

Abro a mão e pego o primeiro pingo de chuva

Fecho a mão

Encosto-a ao peito

Depois

Beijo o primeiro pingo de chuva

E chamo o mar

 

Enquanto o mar não vem a mim

Sento-me e espero

E o mar começa a entrar no meu corpo como um rio selvagem

 

Abraço-o cuidadosamente para não o magoar

E segredo-lhe baixinho ao ouvido

 

- Vem a mim

 

Depois vieram os barcos

E todos os peixes

E os barcos trouxeram as nuvens

E os peixes trouxeram a alegria

E as nuvens trouxeram as estrelas

 

Ao fundo da rua

Um transeunte

Olha-me

Eu olho-o

Eu ignoro-o

Depois

Ele ignora-me

 

Entre nós

Nem palavras

Nem das palavras

 

Apenas as sombras das palavras

 

Vem a mim

Traz as lanternas que alimentam o sono

E ensina-me a desenhar círculos de luz

Nas janelas da alvorada

E imagina quantos silêncios de pedra

Tem esta alvorada

Abre os olhos e planta as flores no meu peito

 

Depois

Traz as enxadas com que vamos capinar

Todo o capim das planícies

Onde às vezes

Deitas a cabeça e soletras o meu nome

 

Pego nos círculos de luz que me ensinaste a desenhar

E coloco-os nas vidraças da janela

Escrevo o teu nome

E o teu nome

Cresce na lareira

Enquanto o primeiro pingo de chuva começa a voar

E condenado que está

Fica prisioneiro do teu olhar.

 

 

 

 

 

 

Alijó, 07/12/2022

Francisco Luís Fontinha


13.11.22

Trazias-me o sono envenenado

Que a noite lançava nas pequenas esquinas de luz

E não sabias que dentro de mim

Uma radiografia de insónia

Gritava na madrugada

 

Depois

Abria a janela onde podia ver as lágrimas do poema

E percebia que dos teus olhos

Uma mão invisível me tocava

Como tocam as flores nas rugas do sol

 

Pegava nas pedras ausentes que a calçada

Me atirava

Pegava nas palavras que da tua mão se erguiam

Sobre o meu corpo

Em putrefacção nos libertados ossos do mar

 

E a morte já me pertencia

O medo

Quando as lâminas do desejo

Se abraçam aos meus braços em suicídio

Quando um pequeno barco zarpa dos teus lábios

 

Trazias-me o sono

O derradeiro veneno que lanças nas águas envergonhadas

E das tristes paredes da cidade em combustão

Um espelho suspenso na manhã

Cortava-me a cabeça e vinha a mim o medo do regresso

 

 

 

 

Alijó, 13/11/2022

Francisco Luís Fontinha


03.11.22

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Pegava-te na mão

E voava sobre as sombreadas sombras das velhas mangueiras,

Pegava-te na mão

E escrevia nos teus olhos

O poema madrugada,

 

Enquanto o meu pai,

Também ele,

Me pegava na mão,

Os três,

Em pedacinhos de silêncio,

 

Corríamos como loucos

Em busca do mar

E dos barcos em papel,

Pegava-te não,

Pegavas-me na mão

 

Sem perceberes que um dia

Pertencerias às fotografias a preto e branco

Que brincam sobre a minha secretária,

Pego num livro

E imagino-te sentado no jardim

 

A semear cigarros,

Pegava-te na mão

E abraçava-te e tu abraçavas-me

E ele abraçava-me,

Como hoje me abraça enquanto durmo dentro deste sonho.

 

 

 

 

Alijó, 3/11/2022

Francisco Luís Fontinha


28.10.22

Bebo

Fumo as tuas palavras

Desenho círculos de luz

Nas janelas do teu olhar

E abraço-te

 

Fumo

Bebo as tuas silenciadas palavras

E sento-me dentro do teu peito

Oiço as flores

Que tens nos teus lábios sonâmbulos

 

Fumo

Bebo

E canso-me de olhar as horas neste velho relógio

Em ruínas

Encharcado de água

 

Fumo e bebo

Alimento-me do mar

Enquanto todos os peixes voam

E fumam

E bebem

 

Depois

Fico confuso

Já não sei se bebo as tuas palavras

Ou se fumo as tuas lágrimas

Ou se ambas

 

Enquanto os cortinados destas frestas

Encantam-se com as sombras daquele rio

Daquele mar em rebuliço

Onde se escondem os meus barcos

Onde fingem os meus livros

 

Fumo

Bebo as tuas palavras

Beijo-te e imagino o paquete amar

A entrar no meu peito

Fico imóvel

 

Em silêncio

Como vivem em silêncio

As nuvens da minha infância

Bebo

Fumo as tuas lágrimas

 

Penso nas palavras do teu cigarro

Pergunto-me se realmente tive infância

Ou se estar vivo

É fumar as tuas palavras

Ou beber as tuas lágrimas

 

E um vazio de luz

Poisa nos meus ombros

E fumo

E bebo as tuas lágrimas em palavras

E canto

 

Fumo

Bebo a tua voz de amendoeira em flor

Que habita nas ausentadas noites

Onde me esqueço

E cambei-o o meu corpo

 

Fumo

Bebo os teus beijos

Pegos nos teus cigarros

E olho as pobres marés de Outono

Fumo bebo e quando me abraças percebo que acordaste como acordam as acácias (nuas)

 

 

 

Alijó, 28/10/2022

Francisco Luís Fontinha


18.10.22

Não tenho castelo,

Não tenho jardim no meu castelo,

Não tenho a lua,

Não tenho aquele rio que partiu,

Não tenho janelas,

 

Portão…

Não tenho árvores no jardim do meu castelo,

Não tenho o mar,

Maré nas tuas coxas,

Não tenho os seios do teu castelo,

 

Não tenho os lábios da manhã,

Não tenho fortuna,

Não tenho o silêncio nocturno da solidão…

Não tenho castelo,

Mas tenho a tua mão,

 

Não tenho os pássaros,

Não tenho as nuvens,

Não tenho castelo,

Não tenho a chuva,

Nem tenho o vento,

 

Não tenho a madrugada.

Não tenho a luz,

Não tenho palavras,

Não tenho castelo…

Mas tenho a alvorada.

 

 

 

Alijó, 18/10/2022

Francisco Luís Fontinha

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