Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Cachimbo de Água

Blog de Francisco Luís Fontinha; poeta, escritor, pintor...

Blog de Francisco Luís Fontinha; poeta, escritor, pintor...


12.01.23

Conheci o Alfredo numa noite de copos e charros, conversávamos de literatura e poesia, e logo que o olhei percebi que além de estar todo vestido de negro com uma estrela branca no peito, era tímido.

No final da noite levei-o para casa, acomodei-o e dei-lhe comida, e quando o questionava sobre este ou aquele assunto, o Alfredo apenas me respondia que sim ou que não, e confesso que me é muito difícil conversar com alguém que quando questionado apenas responde, sim ou não.

Às vezes, acordava maldisposto, muito triste, mas sempre pensei que se devia ao facto de ele estar ausente da família e daqueles que amava.

Nunca percebi a tristeza do Alfredo.

Hoje, enquanto assassino telas em branco com os riscos de merda que lá coloco, o Alfredo olha-me como se me estivesse a dizer…

Oh meu rapaz, deixa-te de pincelares e assassinares telas porque não tens jeito nenhum para isso,

E quando olho as telas assassinadas por mim, percebo que o Alfredo tem toda a razão.

O Alfredo é um gatinho, é invisível e todas as noites me visita enquanto eu assassino telas e folhas de desenho.

Coitado do Alfredo; ter que conviver e coabitar com um assassino de telas e de folhas de desenho.

 

 

Alijó, 12/01/2023

Francisco Luís Fontinha

(ficção)


17.12.22

Sabes pai

O irmão que me deste não gosta de poesia

Não gosta de literatura

Arte

O irmão que me deste

Pertence ao grupo daqueles que não querem ser nada

Percebes pai

Nada.

 

E ultimamente sentia pena

Do Álvaro de Campos

Ou do AL Berto,

 

Mas olha pai

Deixei de ter pena deles

Tenho de me preocupar comigo

E deixar em paz

Em paz o senhor Álvaro de Campos e o coitado do AL Berto.

 

O irmão que me deste

Sabes pai

Detesta Proust

Que lhe leia Proust

E sabes pai

Eu adoro Proust.

 

O irmão que me deste

Passa as noites numa taberna

E fica à espera que regresse o comboio de Santa Apolónia

E sabes pai

O coitado ainda não percebeu

Que o comboio de Santa Apolónia nunca chegará ao destino.

 

E sabes pai

O único destino de verdade

É sem dúvida a morte

Essa sim

Regressa sempre no horário certo.

 

Mas o irmão que me deste

Não quer saber de Proust

Ou da morte

Tão pouco se o comboio sem destino

Regresse

E se regressar

Tanto faz

Será apenas um comboio entre outros.

 

Um comboio estúpido

Um comboio que transporta as finas lágrimas do Inverno

E sabes pai

Ele não sabe

Ele nunca saberá

Que este comboio não existe

Que este comboio nunca existirá…

Tal como os livros de Proust que ele nunca leu

Detesta

E nem quer ouvir falar.

 

Mas sabes pai

Não estou chateado por me dares um irmão

Um irmão que detesta Proust

Que não quer que eu lhe leia Proust,

 

Estou chateado

Muito chateado

Pai

Porque o irmão que me deste é um cretino

Um cretino que nunca será ninguém

Um cretino

Um falhado

Um falhado que não gosta de Proust

Que detesta Proust

E não quer que eu lhe leia Proust.

 

E espero pai

Desejo muito meu querido pai

Que o comboio que vem de Santa Apolónia se estampe contra um lençol de lágrimas

E que morra como morrem os homens.

 

E sim pai

Eu gostava de ser um comboio com partida de Santa Apolónia

E pelo caminho estampar-me contra uma nuvem de sangue

Uma pequena nuvem com odor a naftalina,

 

Depois

Pego “Em busca do tempo perdido”

E sim pai

O cretino do meu irmão vai perceber que Proust

Sim pai

Que Proust morreu esgotado.

 

 

 

Alijó, 17/12/2022

Francisco Luís Fontinha


10.11.22

Estávamos no Inverno

E das tuas mãos finas longas e frias

Vinham a mim as palavras entre marés adormecidas

Sobre a frágil melancolia dos teus olhos

Um pedacinho de sorriso meu

 

Caía sobre o mar de insónia

Como crianças em brincadeira

À volta de uma fogueira invisível

E percebia-se das nuvens que nos abraçavam

As gloriosas flores em combustão

 

Todas as manhãs

Abro a janela para o mar

Limpo a poeira nocturna que sobre os meus livros dorme

E numa carícia

Invento o sono nos teus olhos de poesia

 

Guardo as tuas lágrimas de luz

Desço as escadas que me levam durante a noite

Às esplanadas dos grandes rochedos

Saltamos o muro da infância

E na tua mão acordam as madrugadas simples sem sótãos

 

O poema que trazes no corpo

Aos poucos

Puxa a minha triste mão

E de um cigarro anónimo

Regressam a mim as lareiras das tardes sem literatura

 

 

 

 

Alijó, 10/11/2022

Francisco Luís Fontinha


17.10.22

Escrevo-te, enquanto acorda em mim

O triste silêncio da manhã,

E perco-me nos teus lábios,

Seara madrugada

Dos meus tristes pecados,

 

Escrevo-te, enquanto as minhas palavras

Acordam nos teus olhos silenciados

Pelo alegre luar,

Escrevo-te, enquanto olho este mar

Que leva para longe todas as minhas madrugadas,

 

E são infinitas.

Escrevo-te, janela lunar

Dos medos envenenados,

No corpo complexo e invisível

Dos bosques em esconderijo abraço,

 

Escrevo-te, milhafre

Das tardes junto ao rio,

Nas montanhas do Adeus…

Escrevo-te, poema milagre,

Que poisa sobre ti,

 

Antes de terminar o dia.

Escrevo-te, carta sem destinatário,

Menino dos calções…

Enquanto fugias da lareira

Das noites frias de Inverno.

 

 

Alijó, 17/10/2022

Francisco Luís Fontinha

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2023
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2022
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2021
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2020
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2019
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2018
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2017
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2016
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2015
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2014
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2013
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2012
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2011
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub