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Cachimbo de Água

Blog de Francisco Luís Fontinha; poeta, escritor, pintor...

Blog de Francisco Luís Fontinha; poeta, escritor, pintor...


24.05.23

20230524_221918.jpg

(desenho de Francisco Luís Fontinha)

 

 

Não tínhamos nada

Do nada que tínhamos.

 

Tirando isso

Éramos todos felizes,

Eu desenhava e escrevia à porta de casa

(fazia poemas e desenhos ao domicílio)

Ela

Ela vendia cigarros para engordar

E lembrei-me logo

Se eu estou tão magro…

Vai uns cigarrinhos…

e…

nada,

 

Fumei

Fumei

Fumei

Sempre magro e elegante como um varão de aço

Quatro ferros de dezasseis

Oito ferros de doze

Nos estribos ferro de seis

Afastados dez centímetros,

 

Sentava-me

A menina passava

Olhava-me

Sorria-me

E…

Faça-me um poema

Meu artista…

Que artista sei que fui

Que artista sempre serei

De várias artes

De vários ofícios,

 

E lá lhe fiz o poema…

Menina

Desculpe

É para o seu namorado

Ou

Namorada?

É para a minha amada,

Compreendi

Perfeitamente

Vamos recomeçar a aula,

 

Então é assim,

 

 

Dos teus olhos aquela paisagem de Inverno

 

 

Abraçava-te na lentidão de um relógio invisível

Abraçava-te tanto

Que nos perdíamos dentro de um cortinado de sono

Abraçava-te e mexia no teu cabelo de silêncio

Enrolava-o no dedo

E sentia o meu seio no teu ombro

Aos poucos

Morriam as horas

Mas muito antes

Já tinham partido todos os segundos

E todos os minutos

Apenas uma hora

Uma qualquer hora

Ficou junto a nós…

E poisou no teu púbis,

 

Abraçava-te sabendo que Deus desligou agora mesmo…

A luminosidade das cerca dos dez sextilhões de estrelas

Cem biliões de galáxias…

(e há parvos e parvas que julgam ser o centro de tudo, quando são o centro de nada)

Abraçava-te e ao mesmo tempo

Questionava Deus…

Porquê?

 

E dos teus olhos

Minha galáxia das manhãs em geada

Dos teus olhos

As primeiras lágrimas da tua pele…

E com medo que a única hora que tínhamos…

Morresse também

Beijo-te loucamente

Até que uma nuvem de luz poisou nos teus lábios

 

Da tua querida que te ama,

 

Olhe

Menina

Não tenho muito jeito para estas coisas

Mas…

Olhe…

Foi o que me saiu

Ela pega na pequena folha em papel

E enquanto lia

Percebi que no rosto dela…

Brincavam pequeninas gotículas de saudade…

Chorou

Olhou-me…

Perfeito

Quanto é?

Olhe

Pelo poema são cinco euros

E pela assinatura…

Quarenta cêntimos de euros

Pagou-me

E

 

O beijo

Constrói-se aos poucos

O beijo é como o acordar das borboletas

O beijo sai do poema

Salta a rede de vedação…

E procura incessantemente a boca…

 

Palavras

Palavras meu amor

Palavras

Dias

Noites

E mais palavras

Menos as outras palavras

O poema é assim mesmo…

É como o beijo

É como a chuva

Nem todos beijam

E quase todos se molham,

 

E troco palavras por beijos

Beijos por livros usados

Livros usados por outros livros usados

E troco o silêncio

E apenas

Por outro silêncio,

 

Chateia-me

Revolta-me

Saber que existem crianças

Que não são crianças como eu fui…

Eu

Que fui desejado

Que fui muito amado

E feliz

Ainda eu

Às vezes

Me queixo da puta da vida…

E que dirão estas crianças da puta da vida e de um Deus pacientemente sentado numa pedra cinzenta a olhar-nos…

 

Não tínhamos nada

Do nada que tínhamos.

 

Não tínhamos nada…

Mas tínhamos tudo…

Tínhamos amor.

 

 

 

Alijó, 24/05/2023

Francisco Luís Fontinha


04.05.23

Semeio esta estrela de cor silêncio

Em teus lábios de prazer luar,

Semeio esta estrela que ainda não tive coragem de apelidar,

E não sei se ela vai sobreviver,

Ao vento,

À chuva,

Ao desejo…

Ou ao teu doce olhar.

 

Semeio esta estrela brilhante,

Sem nome…

Nos teus lábios de prazer luar,

E esta estrela me guia

Quando subo a montanha…

Semeio esta estrela de cor silêncio

Na tela da vida,

Quando da vida…

 

Apenas recebo os beijos do mar.

Semeio esta estrela desejada

Nos teus lábios em feitiço,

Quando esta estrela semeada…

É poema, é madrugada,

Semeio esta estrela de cor silêncio

Em teus lábios de prazer luar,

Em prazer teus lábios da noite apaixonada.

 

 

 

Bragança, 04/05/2023

Francisco Luís Fontinha


01.05.23

Não podemos ser tudo

Quando somos o nada menos o tudo,

Não podemos ser isto,

Não podemos ser aquilo

E aqueloutro,

Só porque queremos ser,

Isto e aqueloutro…

Quando queremos ser tudo…

Às vezes,

Muitas vezes

Somos o nada menos o tudo,

 

E o nada seremos sempre,

Sempre que lutamos por ser o tudo

Acabando por sermos o nada,

Não podemos ser pássaro

Se não tivermos asas para voar…

E podem dizer-me que um pássaro

Sem asas

É um pássaro,

Mas não é um pássaro qualquer… e não é a mesma coisa…

Um pássaro sem asas… é o nada,

 

Um pássaro que não canta,

É um pássaro,

E sem asas e sem cantar…

Continuará a ser um pássaro,

Mas…

Para que quero eu um pássaro,

Que não canta,

Que não voa…

Que apenas me serve de adorno

Sobre a mesinha-de-cabeceira

Onde guardo o isqueiro os cigarros e a pistola?

 

O nada,

Sempre que o tudo…

Não é o tudo,

É quase como o Universo…

Tão infinito tão belo tão escuro tão… tão nada,

De que me serve a beleza do Universo?

De que me serve se o Universo é finito,

Não finito…

Ou assim-assim…

Ou o nada…

De que me serve saber que toda a matéria do Universo se encontrava concentrada no espaço do tamanho da cabeça de um alfinete,

Vê lá tu… meu amigo, do tamanho da cabeça de um alfinete,

Depois…

Dizem que explodiu…

Expandiu-se…

E hoje…

O nada,

De que me serve saber de nublosas, buracos negros…

Buracos negros em vómitos,

Velocidade da luz,

Que fiquei com raiva de Einstein quando percebi que…

Vê tu, meu amigo,

Que teoricamente é possível viajar no tempo…

Odeio este gajo só por isto,

E por anda,

Imagina meu amigo, imagina viajarmos no tempo…

E encontrar aquela gaja horrível,

Aquele gajo…

Qualquer coisa,

De nada, obrigado…

Estes e outros fantasmas da noite,

E anda por aí, e anda por ali…

Anda por cá e vai cavalgando montes e vales,

Pedras e montanhas,

Noites de lua cheia…

E o nada,

O zero absoluto…

Zero graus celsius,

O quase tudo,

Ou o quase nada,

 

De que servem as palavras,

Os poemas…

E a madrugada?

Quando o sono,

Quando o sono apenas estorva…

Não deixa viver,

Não deixa respirar…

De quase tudo,

Ou de quase nada,

O que adianta passares a noite em discussão…

Se Deus,

Se Deus existe, existiu…

Ou nem por isso?

Se Deus criou alguma coisa…

Tu,

Tu vais morrer, existindo ou não existindo Deus,

Universo…

Ou buracos negros,

Ou o raio que os parta,

E nunca te esqueças, meu grande amigo,

Nunca te esqueças que setenta por cento do peso do teu corpo…

É água,

E o resto…

Merda,

E o quase nada,

Depois,

Temos a luz vestida de noite,

Lindíssima como as estrelas,

Lindíssima como sempre,

A sempre bela noite,

Bela e puta…

Também ela,

Tal como eu,

Um pedacinho de nada,

Uma molécula de desejo… nos olhos da alvorada,

Dentro de um recipiente…

A poeira do teu corpo,

 

Não,

Não podemos ser tudo,

Quando nasceste para ser o nada,

Quando nasceste travestido de equação matemática,

Complexa…

Ordinária equação complexa do terceiro grau ou do quarto grau…

Uma complexa equação diferencial,

De uma mão, da outra mão,

Acordam,

O nada,

E o tudo…

Ou o quase tudo,

E quase nada,

 

Sim meu amigo,

De que te servem as canções da alegre Primavera,

Quando a tua Primavera…

É quase nada,

Do nem quase tudo,

De entre o tudo e o nada,

 

Depois,

Depois dizem que estás louco,

Internam-te em psiquiatria…

E que sim,

Ao nascer do dia,

Coitado do rapaz…

Coitado dele,

E às vezes, nem tudo é o tudo,

Nem o nada é o tudo,

De nada,

Nem o nada…

Nem o tudo,

Não me digas que às vezes o nada é o tudo?

Ou quase tudo?

Quando não preciso de nada,

Não meu amigo,

Eu, eu sinceramente já não te digo nada,

Nada,

Que nem tudo é tudo,

E que nem tudo é o nada…

Quando tu,

Quando eu,

Meu grande amigo,

Somos o nada,

 

E o nada é um conjunto vazio,

Tem jarras com flores,

Tem poemas de amor e sedução,

Olha…

Tem um rio,

E tem o mar,

O mar de ninguém,

No mar de nada,

Quando o quase tudo,

Nasceu, cresceu, morreu…

Sendo o quase nada…

E do quase nada,

Vês apenas o sorriso do clitóris

Quando se ergue na tua mão… a doce madrugada…

Que de tudo,

Não tem nada.

 

 

 

 

Alijó, 01/05/2023

Francisco Luís Fontinha


29.04.23

Não mates

Não mates a criança que brincava dentro de ti

No bairro da Vila Alice

Ou no Madame Berman

Não mates a criança que brincava

Comigo

Quando nos perdíamos às escondidas

Debaixo do sombreado das mangueiras,

Lembras-te?

De quê, mãe?

Quando desenhavas no olhar

O perfume das mangas

E ficavas sentado… eternidades

Ainda o consegues desenhar?

Não, mãe…

Perdi o traço do perfume das mangas

Já não sei desenhar o perfume das mangas, mãe…

 

Não mates

Não mates meu querido filho

Não mates a criança que brincava dentro de ti

A criança que era apaixonada por barcos

Que amava as estrelas do tecto do quarto…

As estrelas que falavam, mãe?

Sim, claro, essa mesmo…

E chegavas lá

Sentavas-te na cama…

E adormecia, mãe

Adormecia enquanto elas me contavam estórias

E faziam comigo brincadeiras…

Tantas brincadeiras, mãe

 

 

Não mates

Não mates a criança que brincava dentro de ti junto ao Baleizão

Oferecíamos-te gelados

Não gostavas

Oferecíamos-te sumos

Não gostavas

Oferecíamos-te rebuçados

Não gostavas

Oferecíamos-te chocolates

Agora gosto, mãe

Agora como chocolates,

Eras um ranhosinho

É ranhosinha, mãe

Ranhosinha…

Não mates

Não mates o meu menino

Não mates a criança que brincava dentro de ti

E construía papagaios em papel

E coisas

E muitas coisas

Mas… mãe?

Sim?

És tolo

Eu sei, mãe

Eu sei

 

Não mates

Não mates a criança que brincava dentro de ti

Aqui

E ali

Não

Não meu querido filho

Não mates essa pobre criança

Das brincadeiras

Não a mates

Mas, mãe?

Sim…

Que criança é essa que brincava dentro de mim, mãe?

É a vida, meu filho

A vida…

A vida?

O que é viver, mãe?

Viver, meu filho…

Viver é amar

Amar.

 

 

 

Alijó, 29/04/2023

Francisco Luís Fontinha


09.04.23

Podia beijar o Universo

Podia beijar todas as estrelas do Universo

E todas as flores do Universo

No entanto

Não trocava os teus lábios de mel

Quando a madrugada se deita na Primavera

Não trocava os teus lábios em desejo mar

Por todos os beijos do universo

 

E no entanto

Podia beijar o Universo

Todas as estrelas do Universo

E Deus

Deus que numa noite em desejo…

Criou todo o Universo

Para eu beijar

 

Podia beijar o Universo

Podia beijar todos os mares do Universo

E todas as árvores do Universo

E todos os peixes do Universo

E todos

Todos os pássaros do Universo

No entanto

Não trocava beijar os teus seios

Janela da maternidade

Mar da Tranquilidade

Nas noites em luar

Por tudo aquilo que o Universo me dá

 

Podia beijar o Universo

E todas as equações do Universo

Podia beijar o sol e a lua

Podia beijar o silêncio

E a paixão

Podia beijar o Universo

Todas as estrelas do Universo

E todos os buracos negros do Universo

Podia beijar tudo isso

Podia

No entanto

Prefiro beijar cada milímetro do teu corpo

Cada centímetro quadrado da tua pele em perfeito delírio

Podia

Mas sabes

Meu amor

Quero lá saber do Universo…

E dos beijos do Universo

Quando tu

Tu és o meu Universo.

 

 

 

 

Alijó, 09/04/2023

Francisco Luís Fontinha

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