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Cachimbo de Água

Blog de Francisco Luís Fontinha; poeta, escritor, pintor...

Blog de Francisco Luís Fontinha; poeta, escritor, pintor...


16.10.22

Da noite fria

Chegam a mim as tuas pinceladas lágrimas.

Trazes nas mãos as flores da tristeza,

Em voos contínuos, pequenas palavras,

Que o vento eleva até ao sofrimento,

 

Na noite fria

O infinito adeus,

A calçada morre, o rio foge e sobe a montanha,

Não me dês a alegria,

Não quero esta noite fria

 

Sobre os meus ombros em sofrimento.

E depois do adeus, e depois da saudade,

O terrível infinito em trágicas madrugadas,

E o silêncio emerge

Nos plátanos envenenados pela neblina,

 

Sofrem, as andorinhas em flor.

E na noite fria

Que se alicerça ao meu corpo dissecado pelo teu olhar…

Esta temida pedra,

Com os olhos postos no mar,

 

E há uma canção que grita,

Uma palavra que chora

Nesta noite fria;

Adocicado beijo,

Antes de acordar.

 

 

 

Alijó, 16/10/2022

Francisco Luís Fontinha


15.10.22

Abraço-te, silêncio em despedida,

Menina que voas sobre o mar,

Abraço-te, menina poesia sentida…

Sentida ao despertar,

 

Abraço-te, meu moinho que dança no vento,

Árvore despida,

Abraço-te, sombra do meu pensamento,

Em delírio na partida,

 

Abraço-te, nuvem cansada de pensar,

Chuva miudinha na madrugada,

Abraço-te, rio que não se cansa de navegar

 

Nos teus seios de amanhecer,

Abraço-te, sorriso que brinca na alvorada,

Sem pressa de chegar, sem pressa de morrer.

 

 

Alijó, 15/10/2022

Francisco Luís Fontinha


14.10.22

Desta pedra onde me sento

E olhas,

Oiço as tuas lágrimas

Que tão bem sabias misturar com as orações,

E do alto da montanha

 

Me envias as palavras do silêncio.

Pego na espingarda,

Alimento-a de saudade…

E disparo contra a madrugada,

Enquanto nas tuas mãos, o pequeno terço

 

Corre de conta em conta,

De suspiro em suspiro.

Desta pedra onde me sento

E olhas,

Oiço as Ave Marias em pedaços de tristeza,

 

E certamente não estás feliz,

Porque as minhas palavras são as minhas palavras…

E quando disparadas pela espingarda do silêncio,

Todo o teu olhar arde,

E despede-se das telas em cinza.

 

E que feliz éramos quando tínhamos tardes intermináveis,

Quando entre Ave Marias e o Pai Nosso,

Tinhas fé e rezavas por aqueles que amavas;

O teu filho mimado e a tua grande paixão (o meu pai),

E quando precisaste do teu Deus, a pedra onde me sento… ardeu.

 

 

(como ardem todas as pedras onde me sento)

Alijó, 14/10/2022

Francisco Luís Fontinha


14.10.22

Perto do musseque éramos felizes, como eram felizes os que viviam perto do musseque; a manhã acordava, na rua ouvia-se o trote do branco cavalo que passeava todos os dias pela mão da linda Catarina, o irmão, rapaz dos seus quinze anos, desenhava formas geométricas com a velha motorizada que tinha herdado do avô, homem foragido da metrópole por razões políticas.

Junto ao Grafanil ouviam-se os vómitos de saudade do Unimog que regressava do mato, transportava homens que tinham vendido os sonhos e sem perceberem, ainda acreditavam no futuro.

A Catarina, indiferente às lágrimas de todas as sombras que ouvíamos na noite, sentava-se junto ao portão de entrada na esperança que o pai um dia regressasse do mato com o camião que tinha partido com mercadorias diversas. Com um giz, deixava traços invisíveis no muro do quintal, um dia, contou-os; trinta e cinco. Desistiu de esperar.

Semanas depois, disseram-lhe que o camião que o pai conduzia passou sobre uma mina e desfez-se em pedaços de lágrimas; acontecia a todos aqueles que tinham longas noites nos olhos.

Eu, deliciava-me a dar pancadas num velho triciclo, e quando me perguntavam o que estava a fazer,

O menino está a arranjar.

Mais tarde, contaram-me que saía ao meu tio António, que depois de lhe oferecerem um qualquer brinquedo, abria-o e se lhe perguntassem…

É para ver como é feito.

Mas naquela altura não me interessava pelo corpo feminino, portanto quanto à linda Catarina, era apenas a linda Catarina; e talvez tenha só a memória fotográfica do esbelto branco cavalo que passeava todas as manhãs em frente ao meu portão, e depois, percebia que mais um dia tinha acordado.

Quanto a motorizadas, apenas me fascinavam os desenhos geométricos que o Pedro deixava sobre a poeira de um descampado junto à rua e o fumo escuro que esta cuspia depois de alguns círculos, círculos que certamente sofriam de alguma doença crónica, pois nunca eram perfeitos.

Amo-te, meu querido Joaquim!

Também te amo muito, minha querida Catarina!

E de paixão apenas conhecia a que tinha pelos barcos, papagaios em papel e pelo meu melhor amigo; o eterno chapelhudo.

Não escrevas nas paredes, Francisco,

É para ver como é feito.

Depois do jantar, íamos aos Coqueiros assistir aos treinos de hóquei em patins, deliciava-me com a dança dos corpos daqueles jovens que sem o saberem, escreviam no pavimento a mais linda estória das noites da minha infância, regressado a casa, adormecia a sonhar com o branco cavalo da linda Catarina. Às vezes, ainda íamos dar uma volta ao Baleizão, que sempre que me ofereciam um gelado, que eu apelidava de Rajá, respondia que…

Não gosto.

E ainda hoje não percebo muito bem do que gostava naquela altura, tirando os barcos, os papagaios, o chapelhudo, os desenhos nas paredes e as pancadas no triciclo, de nada mais gostava.

As bananas tinham bicho. De sumos, não gostava. Os chocolates que os amigos do meu pai me ofereciam, quase não lhes tocava. Quando se tratava de comer a sopa, inventava mil razões para a não meter à boca; estava quente, não tinha fome, e

É para ver como é feito.

E enquanto arranjava o triciclo descobri que os aviões que eu ia ver ao aeroporto e os que passavam sobre a minha casa, tinham tamanhos diferentes. Passei muito tempo para entender que se tratava apenas de distância e que ambos tinham o mesmo tamanho.

Depois,

Catarinaaaaa…

Sim mãe, vou já, logo que o branco cavalo desça das nuvens, e num ápice, um enorme buraco negro cospe uma estrela,

E o raio do cavalo de nuvem em nuvem, até que descobriu

Pedro, casa já.

O menino está a arranjar.

De buraco em buraco até se esconder da mina que dizimou o camião, o pai e a mercadoria da linda Catarina.

Choveu muito ontem, entre o capim vi pela primeira vez o lençol da saudade, e percebi porque hoje amo o mar, e ontem, e ontem fugia da lhá…

Tão grandes, pai.

É para ver como é feito.

Perto do musseque somos felizes, como são felizes os que vivem perto do musseque; a manhã acorda e a doce e linda Catarina, montada no seu branco cavalo voa em direcção às nuvens, em baixo, jaz o mar límpido que outrora adormeceu na algibeira dos pequenos calções do menino ranhoso que inventava amigos para brincar debaixo das mangueiras, que que às vezes se esquecia de dormir, quando as tardes eram apenas pedaços de silêncio onde a motorizada do Pedro e o branco cavalo da linda Catarina davam as mãos e saiam para passear junto à Baía.

Tão grandes, pai.

O menino arranja.

E amanhã certamente tenho a visita dos papagaios em papel e das estrelas que um dia desapareceram de mim, como desapareceram as minhas sandálias de couro…

Ai a lhá…

E depois, encerraram a janela e nunca mais vi o mar.

 

 

 

Alijó, 14/10/2022

Francisco Luís Fontinha


14.10.22

Nos teus olhos de arco-íris

Escondem-se as estrelas,

Brincam os exoplanetas do cansaço,

Dos teus olhos, em lágrimas paixão,

Fogem os plátanos da madrugada,

 

São luar,

Os teus olhos de arco-íris,

São tristeza,

São poema ao cair da noite,

Nos teus olhos

 

Há pedaços de silêncio,

Das frases que se escondem no pôr-do-sol,

E esses olhos de arco-íris,

São canção no leito em revolta…

Cerejas que a Primavera escreve nos teus lábios,

 

Dos teus olhos de arco-íris,

Também se escondem as flores aprisionadas,

Também se esconde nos teus olhos de arco-íris

Um coração em delírio,

Um castelo invisível,

 

Uma Princesa inventada pelo sono,

E nos teus olhos de arco-íris,

Vejo o rio que acaba de acordar,

E não sabe, desconhece,

Que os teus olhos de arco-íris… são o silêncio do mar.

 

 

Alijó, 14/10/2022

Francisco Luís Fontinha

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