20.11.22
Se me procuras,
Não estou; a verdade é que nunca estive
Onde estou e pensam que estive.
Não tenho número de polícia,
Destinatários para enviar cartas,
Os meus amigos,
Os verdadeiros amigos, morreram. Quase todos por cancro.
Uma merda, o cancro.
Escrevo poemas aos caracóis,
Às abelhas e aos pássaros,
Às árvores e às putas das árvores
Onde poisam os cornudos dos pássaros.
E os caracóis ouvem-me,
São afáveis, sinceros e honestos,
São como eu; quando a conversa não me interessa,
Escondo-me em casa,
Dentro desta carapaça que transporto desde que nasci.
Já as abelhas,
Bom, com essas não me dou muito bem,
Sou alérgico às abelhas,
Sou alérgico à mãe das abelhas,
Que pensam que os filhos,
Tal como os pássaros,
São cornudos diplomados,
Mas só os caracóis é que me escutam,
Os únicos a quem escrevo cartas.
Vou ao cemitério, e quase todos os gajos e gajas que lá habitam,
Levou-os o cancro; os meus amigos.
E vou continuando a escrever cartas aos amigos que me restam…
Os caracóis,
E de caracol em caracol,
De flor em flor,
Palavra puxa palavra,
Penso na merda do Natal que se aproxima;
Por mim, proibia o Natal e merdas afins…
E devia haver censura para quem festeja o Natal e prisão domiciliária,
E lá terei de entrar no cemitério,
E de campa em campa,
Feliz Natal companheiro,
Bom ano, minha querida,
Brevemente estaremos todos à volta da fogueira,
(mas qual fogueira, caralho)
Se nem fogueira vai haver,
Que esta terra foi excomungada, ai isso foi.
Tinha um amigo, amigo de verdade,
Quando se aproximava o Natal,
Oferecia-me erva e erva e erva para fumar…
E fumávamos erva enquanto o tempo se escoava nos anéis de Saturno,
E o gajo falava e o gajo falava e o gajo não se calava,
Mas calou-se; e morreu.
O meu pai, no Natal, dava-me livros,
Livros, livros e muitos livros,
A minha mãe, livros,
Fui um felizardo, o felizardo dos livros.
E sabes, meu amigo caracol,
Sabes?
Que se foda o Natal…
Alijó, 20/11/2022
Francisco Luís Fontinha