19.12.22
Não inventes o mar dos monstros marinhos
Não deites fora a espátula que dá forma à tela
E que faz com que os pássaros brinquem sozinhos
Não. Não deites fora o vento que faz trabalhar os moinhos
Enquanto na tua mão brinca um barco à vela.
Não penses que o mar é só teu
E que da ondulação
Um cachimbo de prata
Se alicerça na tua boca.
Não. Não penses que ganhastes o céu
Porque nem à terra pertences. Não deites fora as gaivotas do silêncio
Que povoam os cabelos amargurados da madrugada.
Não
Não deites fora a magreza dos pinheiros mansos
Quando da montanha vem a escuridão.
Quando a montanha é o teu coração.
Não. Não inventes o sono nas planícies
Enquanto o sono é apenas um voo
Uma constelação de silêncios
Que morre nos lábios das estrelas.
Não. Não digas que a manhã está nublada
Só porque a manhã está nublada,
Ou porque morreu uma gaivota,
Morrem todos os dias milhões de gaivotas
Morrem por dia
Milhões de crianças
Mulheres
E versos
E aterra sempre a girar.
Suicidam-se por dia
Não sei quantos homens e mulheres
E que ambos acreditam que o suicídio é a solução…
E o suicídio não é a solução
Para homens
Para mulheres
Quanto mais para uma gaivota.
Não inventes o mar
Nas mãos daquele que não gosta do mar.
E não culpes Deus porque o dia está nublado,
Porque Deus não entende de meteorologia
Nem de matemática
Nem de nada;
Deus é apenas um colar de pérolas
Que transportas ao peito
E quando uma gaivota está em silêncio…
Deus… está a cagar-se para a gaivota
E para ti
E para mim
E para a terra
E para todas as gaivotas em silêncio
E para os versos das gaivotas em silêncio.
Não inventes o mar
Nas mãos daquele que não gosta do mar
Não desejes que o mar
Entre pela tua janela
Quando tão pouco tu tens uma janela…
E que esta gaivota não seja estúpida.
Alijó, 19/12/2022
Francisco Luís Fontinha