Saltar para: Post [1], Comentar [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Cachimbo de Água

Blog de Francisco Luís Fontinha; poeta, escritor, pintor...

Cachimbo de Água

Blog de Francisco Luís Fontinha; poeta, escritor, pintor...


24.08.11

E ainda não tinhas nascido, e o céu de Luanda tão azul e tão límpido, e as nuvens pareciam pedacinhos de algodão, e ainda não tinhas nascido, e o mar calmo do Mussulo, os coqueiros, as mangueiras e bananeiras, e ainda não tinhas nascido, e a minha primeira entrada numa tenda de circo, e não, não foram os palhaços que me alegraram, e não, não foram os trapezistas que me contentaram, e não, não foram os animais que me fascinaram, e ainda não tinhas nascido, e foram a luzes, sim, precisamente as luzes que me despertaram interesse,


 


Tinha, e tenho, deixei de ter, não sei, medo da noite, não por ser escuro, mas porque no teto do meu quarto não tem, e ainda não tinhas nascido, e nunca teve estrelas, e pergunto-te Imaginas-te num quarto sem estrelas?, claro que não dizes-me tu, e ainda não tinhas nascido e perdia-me nas tarde a olhar os aviões, e os pássaros, e o infinito, e ainda não tinhas nascido, tinha medo da noite, e não sei porquê mas a noite parecia-me maior que o dia,


 


E ainda não tinhas nascido, e o céu de Luanda tão azul e tão límpido, e as nuvens pareciam pedacinhos de algodão, a ainda não tinhas nascido quando vi pela primeira vez um barco, fiquei incrédulo Não vai ao fundo…, e é tão grande!, e o meu pai, e ainda não tinhas nascido, todos os domingos me levava a ver os barcos, os treinos de hóquei nos Coqueiros, e ainda não tinhas nascido, e olhava a estátua da Maria da Fonte, e depois do circo, ainda não tinhas nascido, sentava-me na esplanada do Baleizão, olhava o céu e tinha estrelas, e comia um gelado, e ainda não tinhas nascido, regressava a casa, e olhava o teto, e não estrelas e não barcos e não estátua da Maria da Fonte, e ainda não tinhas nascido,


 


Descobri que eu sou apenas um sonho, e ainda não tinhas nascido, e deixaram a criança em Luanda e trouxeram outra coisa qualquer, e ainda não tinhas nascido, e percebo agora que eu não sou e nunca fui a criança que, e ainda não tinhas nascido, olhava o céu azul e límpido de Luanda, os barcos, o circo, a estátua da Maria da Fonte, o Mussulo, o estádio dos coqueiros,


 


E ainda não tinhas nascido, e possivelmente na confusão trouxeram outro miúdo que não eu, e ainda não tinhas nascido, quando pela primeira vez vi um papagaio de papel a brincar no céu azul e límpido de Luanda,


 


E ainda não tinhas nascido,


 


As gotinhas ténues da chuva poisavam na minha mão e no meu quintal voava um triciclo com acento de madeira, e as pombas corriam, e ainda não tinhas nascido, eu adormeci a olhar as nuvens de algodão.

Comentar:

Mais

Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.

Este blog tem comentários moderados.

Este blog optou por gravar os IPs de quem comenta os seus posts.

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Em destaque no SAPO Blogs
pub