Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Cachimbo de Água

Blog de Francisco Luís Fontinha; poeta, escritor, pintor...

Blog de Francisco Luís Fontinha; poeta, escritor, pintor...


21.10.22

Ordenou-lhe que se ajoelhasse, ele fê-lo sem hesitar, e só depois de sentir no pescoço o frio da lâmina da espada que o Rei Nu segurava com as duas mãos, percebeu que este lhe ia cortar a cabeça; durante alguns segundos viu-a rolar calçada abaixo, depois, acordou sobressaltado e deu-se conta que estava a sonhar.

Algo de errado se passava com a sua vida, pois o Rei nunca cortaria a cabeça a um mendigo, e este último não sonha.

Então mergulhou na sombra e questionou-se… porquê eu?

Será porque escrevo nas paredes da casa de banho?

O dia estava frio. Na silenciada manhã ouviam-se os gemidos dos primeiros cigarros em combustão, aos poucos, muito devagarinho, as primeiras crianças deslocavam-se para a escola, e num ápice, como se tivesse caído do céu uma montanha de pássaros, toda a rua ficou intransitada; chovia torrencialmente e apenas de barco era possível chegar ao cais.

Sabes, ouvi dizer que todos os mendigos são felizes…

Eu sei!

Como vou agora atravessar a rua com toda esta enxurrada?

De relance viu sua majestade o Rei Nu, mas como tinha sonhado que este lhe tinha cortado a cabeça, hesitou, pensou muito bem, e decidiu não lhe pedir ajuda,

E se o gajo hoje me corta mesmo a cabeça?

Um mendigo sem cabeça não é anda, é um corpo, como tantos outros, que passam apressadamente para o trabalho.

E não seremos todos nós… corpos?

Adiante.

Meteu-se à água muito pausadamente para não se enfiar em algum buraco que estivesse submerso, chegou ao cais, e com algum esforço, deitou a mão ao muro de vedação e num pequeno salto no escuro, atravessou-o sem dificuldade.

Do outro lado da rua e já no cais, deu-se conta que tinha esquecido o pequeno saco que trazia na mão, onde algumas bugigangas se escondiam no seu interior, neste caso, todos os seus pertences, e mentalmente deparou-se com o dilema de voltar a atravessar novamente a rua ou partir mesmo assim; sem nada.

Partiu assim mesmo.

Na algibeira, juntamente com dois ou três cigarros, tinha a caneta de tinta permanente que lhe tinham oferecido e que de nada lhe servia, pois não tinha papel com ele, tão pouco uma secretária e cadeira onde sossegadamente poderia sentar-se e escrever alguma coisa. Sentiu o vento no rosto; e pensou que tudo se conjugava para pegar no barco à vela e zarpar em direcção ao desconhecido.

Perdeu-se de amores por uma Princesa, nunca soubemos se era a filha do Rei Nu ou outra qualquer, tem um rebanho de cabras e dizem, quem já o viu, que é muito feliz.

Como são felizes os mendigos que se perdem de amores por uma Princesa e têm um rebanho de cabras.

 

 

 

Alijó, 21/10/2022

Francisco Luís Fontinha

(ficção)


20.06.20

Não tenho pressa de caminhar.

Não tenho na mão a pedra filosofal.

Não. Não percebo este rio a chorar.

Quando o cansaço laminado da manhã, sofre, vomita as palavras de Inverno.

Não tenho nos livros as tuas mãos quando o amanhecer acorda,

Não sei quantas pedras, hoje, tenho para atirar à tua sombra.

Não tenho a madrugada para chorar.

Não tenho as lágrimas para desenhar,

No chão abandonado pelo silêncio.

Não tenho a noite para dormir.

Não tenho o dia para sorrir.

Não. Não sei se hoje é dia para correr,

Chorar,

Ou morrer.

Não tenho as letras do teu sorriso,

Quando o sol ilumina os candeeiros do sofrimento.

Não tenho as imagens do mar,

Salvado pelo amanhecer.

Não tenho as sandálias dos pequenos alicerces da cidade dos Deuses.

Não. Não tenho pressa de caminhar.

Não me digam que hoje posso subir à montanha da despedida.

Não o vou fazer.

Porque hoje,

Hoje não tenho tempo para morrer.

Hoje não é o tempo da partida.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

20/06/2020


26.01.20

As árvores deste jardim cansado,


Onde adormece o silêncio das palavras assassinadas por mim,


Há um luar desiludido,


Que grita às planícies do alecrim,


O poema desejado,


Entre versos e ossos embalsamados,


Vem a esta casa, o miúdo perdido,


Das montanhas húmidas,


A voz que alicerça a fome,


A rua que limita o olhar,


Sem nome,


Sem mar,


As árvores distintas dos pássaros, o medo de dormir,


Numa cama de pétalas encarnadas,


Nas veias, o orgasmo do cobalto,


A madeira envernizada,


Porque as lágrimas,


No rosto se perdem,


E fogem para o triste adormecer,


O vulcão quase a vomitar palavras de nada,


Sempre em alerta, sempre abandonada,


A casa,


O ódio madrugada da vida,


Entre correr,


Entre morrer,


Simples, assim,


Simples, simples, nada esquecer.


O mendigo que corre na calçada,


Desejado por uns, amaldiçoado pela namorada,


Escreve-me,


Oiço-o,


Na alvorada.


 


 


 


Francisco Luís Fontinha – Alijó


26/01/2020


18.03.19

Entre as mulheres, o crucifixo da paixão,


As sílabas na rebelde tarde poeirenta,


Esperando o regresso do rio Doirado.


As palavras milagrosas, nas mãos do peregrino,


As lágrimas, tenebrosas,


No rosto do pobre menino…


Escrevo-te esta canção,


No papel pardo, que alimenta,


E respira,


O meu corpo cansado.


E, o vento me atira,


Todas as pedras da montanha,


Ninguém me apanha na escuridão…


Sofro, a morte aparece suspensa nas paredes da aldeia,


Tenho uma ideia,


Um dia, um dia deitar-me no chão,


E sonhar-te enquanto caminhas em direcção ao mar.


 


 


Francisco Luís Fontinha


Alijó, 18/03/2019


26.05.18

A colmeia de ossos perdida na montanha,


As flores florescentes que iluminam a noite,


E escrevem no meu corpo o poema,


Palavras,


Malditas palavras na boca do inferno,


A ribeira, simples lareira junto ao mar,


Descem as caravelas,


Sobem os braços dos náufragos,


Marinheiros dos esqueletos putrificados,


As candeias nocturnas do Adeus,


O amor,


Amo-te?


Nunca o saberei,


O que é o amor?


Uma vaca que voa…


Ao cair a noite!


O papel amarrotado do teu olhar,


Quando as estrelas se suicidam nos teus lábios,


Nunca amarei uma pedra…


Quando ela me abraça,


Beija…


Nas sombras dos holofotes de néon,


O dia límpido,


A neblina dos teus seios iluminados na floresta,


Ouves-me?


Amas-me?


Como uma pedra,


Descalça,


Sem palavras,


Ao final da tarde.


 


 


Francisco Luís Fontinha


Alijó, 26 de Maio de 2018

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2023
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2022
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2021
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2020
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2019
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2018
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2017
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2016
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2015
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2014
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2013
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2012
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2011
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub