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Cachimbo de Água

Blog de Francisco Luís Fontinha; poeta, escritor, pintor...

Blog de Francisco Luís Fontinha; poeta, escritor, pintor...


11.04.23

Acorrentados às frestas da manhã

O sono poisa na doce mão do transeunte ensonado

Vomita a fogueira da noite anterior

Da lareira onde arderam todas as palavras do poeta

E o poeta em dor

Sem o saber

Também ele acorrentado

Também ele ensonado

Também ele em lágrimas na fogueira da noite anterior

Senta-se na cadeira da insónia

E sonha

E pensa.

 

O que pensará o poeta acorrentado?

Que as noites são pedacinhos de pano

Em pequenas brincadeiras

Na algibeira do guarda-rios

Que enquanto olha para a ponte

Percebe que a multidão em fuga

Se dirige para o abismo?

 

Penso que não

Não pensando que a multidão

Toda ela

Toda a multidão

Se suicide nas mãos daquele Oceano.

 

Um cardume de sonhos

Viaja à velocidade da luz

Pensando que voa

Não voa

Porque enquanto pensava

O pensamento

Aquilo que o poeta pensava…

… morre quando a noite acorda.

 

E às vezes

Pensando que dormia no cacilheiro para a Trafaria

Acordava em Almada

Pensando que já era dia…

Quando ainda não era nada.

 

E para que pensas tu, poeta acorrentado?

Marinheiro das docas secas

Pedinte em decomposição

Quando do corpo putrefacto

Nasce uma gaivota de luz?

 

Não.

Não penses, cacilheiro dos lábios encarnados

Não penses

Não

Não bebas e não fumes e não fodas…

E claro

Não penses

Nem escrevas

O que pensas

Nem dias o que escrevas

E que pensas

Porque depois de pensares

Depois

Ai depois…

Não.

Não escrevas.

Não penses.

 

Multidão amiga

Pensante das madrugadas em flor

Consumidor de heroína

E de cigarros avulso

E de shots de liberdade

Junto ao rio

E se pensas

Um dia

Darás conta

Que os cacilheiros deixaram de ser os teus amigos…

Porque hoje os cacilheiros pensam

Porque hoje é terça-feira

E Lisboa é uma droga

É mulher

É bela

Muito bela

Mais bela que todas as belas das árvores da minha aldeia…

Porque pensa o poeta acorrentado?

Porque chora e pensa o poeta acorrentado

Filho da multidão

Irmão de Zeus

Irmão e pai

Dos que pensam

E daqueles que não pensam.

Amém.

 

A multidão pensante

Grita

Corta as correntes do sono

A multidão pensante

Pensa

Enquanto ele

O poeta acorrentado

Não pensa

Nem sabe o que pensa.

 

E os dias são as noites

Sãos os dias em que alguém pensa

Que quando regressar a noite

O pensamento se libertará da madrugada

E o poeta acorrentado

Enquanto bebe uísque…

… pensa

Que nunca pensou

Aquilo que pensa.

 

E se a multidão pensasse

E se o poeta acorrentado pertencesse à multidão

Os livros cresciam nos jardins

Como crescem as plantas de canábis

E crescem as almas que pensam.

Mas eu não gosto de pensar

Não gosto das palavras que escrevo

Nem dos desenhos que faço;

E enquanto espero sentado

Numa cadeira com tirinhas em plástico

Entretenho-me a contar as quadrículas

As brancas para o lado direito

As negras para o lado esquerdo…

… e os espaços entre elas…

Para os vizinhos que pensam

E que pensavam que nunca conseguiriam pensar.

 

O relógio morre.

A tua voz que pertencia aos meus pensamentos

Não pertence às vozes que pensam

Nem pensam as vozes a que pertencem…

E Deus?

O que pensará Deus!

O que pensará Deus de tudo isto?

Que sou louco

Porque desobedeço à multidão

E deixei de pensar?

E se eu pensar?

A multidão continuará junto a mim?

E claro,

E se Deus também ele,

Também eu,

Também o poeta engomado e acorrentado…

Não pensarem?

O que pensará o Diabo quando vai defecar

E percebe que o poeta acorrentado

É uma merda

Uma merda que pensa

Que fuma coisas

E bebe coisas

e…

… pensa

E que se fode o poeta que pensa.

 

 

 

Alijó, 11/04/2023

Francisco Luís Fontinha


11.04.23

Às vezes

Penso

Às vezes penso que deveria não pensar

E no entanto

Penso

Penso porque sou apaixonado pelo mar

Às vezes penso…

… não

Não o deveria fazer

Pensar dá trabalho

… e já não me dá prazer

 

Às vezes penso

Em coisas estranhas

Não as que fumei e fumo

Outras coisas

Outros pensamentos, queres tu dizer?

Outras coisas que não são bem coisas

São pensamentos

De pequenas coisas

E penso

Penso tanto…

… que deveria deixar de pensar

 

Penso porque Deus é tão mau

Mas tão mau…

Que às vezes

Que às vezes até penso

Penso que não sou filho dele

Mas penso

Penso tanto

Que das vezes que penso

Não penso

Mas se não penso

Não existo

E desisto

De…

… de pensar

 

Mas penso

Quando me ergo

Penso

Penso se eu terei uma força superior a nove vírgula oito metros por segundo ao quadrado…

E penso

Penso tanto…

Se consegues vencer a gravidade, queres tu dizer?

Mas penso

Muito

Penso no gajo sentado em frente ao mar

Sentado numa cadeirinha de tirinhas plásticas

Com quadradinhos pincelados de negro e branco

Fuma e pensa

Pensa em quê, ele?

Que não

Não deveria pensar

Mas ele…

…, mas ele fuma e pensa

Como sabes que ele pensa?

Ou será que ele apenas fuma

Apenas não pensa

Ou apenas pensa

E não fuma

Será que ele pensa?

 

Às vezes

Penso

Às vezes penso que deveria não pensar

E no entanto

Penso

Penso

Penso

Penso que não deveria acordar

Pela manhã

e…

… e pensar.

 

 

 

Alijó, 11/04/2023

Francisco Luís Fontinha

...


08.04.23

DSCN6959.JPG

Antigamente, tinha sonhos e escrevia cartas a amigos…

Hoje,

Continuo a escrever cartas a amigos!


07.04.23

Tudo é culpa minha, a chuva, é culpa minha, a tempestade… é culpa minha, as palavras que escrevo, são uma merda, culpa minha, as flores têm um odor a putrefacção, culpa minha, claro,

As vidraças da minha janela, partiram-se, e claro, culpa minha,

O silêncio, também é culpa minha,

E depois?

A morte, as pessoas de quem gostava e morreram, claro, foi por minha culpa.

A tristeza, é culpa minha, a fome, tantas crianças com fome, é culpa minha,

Olho as minhas mãos, percebo delas o quanto silêncio existe, percebo delas a míngua tristeza das sanzalas com telhados em zinco, e quando oiço os mabecos, entre uivos e pincelados corações de prata, eis que um alicerçado e cansado amanhecer se deita sobre mim…

E depois?

Tudo, tudo é por minha culpa.

As guerras, as guerras acontecem por culpa minha. A minha vizinha do terceiro esquerdo, coitada, suicidou-se juntamente com o gato, o Malaquias… e claro, foi por culpa minha.

E enquanto olho as minhas mãos, e enquanto olho o mar amaldiçoado, tal como eu, amaldiçoado, com aquele cheiro intenso a morte, percebo que tudo o que sonhei, não o sonhei, que tudo o que tive, não o tive, e que Deus é um estupor, impostor, um aldrabão diplomado e sem escrúpulos, um gajo…

Um gajo que nunca assume os erros, e claro, tudo, tudo é culpa minha.

E por minha culpa, por minha grande culpa, me despeço destas pedras onde brincam as ratazanas de Gunter Grass, onde poisa o coração de todos aqueles que deixaram de voar, claro, por minha e tão grande culpa minha; tens fome? Culpa minha. Não tens casa onde aportar os teus braços, claro, claro, é culpa minha.

E não te preocupes com o aspirador ou com a ventoinha ou com a porta do quintal… porque, claro, tudo é culpa minha.

 

 

 

Francisco

07/04/2023

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