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Cachimbo de Água

Blog de Francisco Luís Fontinha; poeta, escritor, pintor...

Blog de Francisco Luís Fontinha; poeta, escritor, pintor...


28.03.23

Ardem nesta fogueira sem nome,

Os sonhos,

Ardem nesta fogueira imunda,

Todas as palavras

E todos os luares,

 

Ardem nesta fogueira que transporto no peito

Todos os silêncios

E todas as madrugadas,

 

Ardem,

Dentro de mim,

Todos os rios

E todos os mares…

E todos os barcos,

 

Ardem

Todas as flores da Primavera,

Todos os horários desmedidos…

Ardem as canções

E os poemas…

E ardem as manhãs ensonadas…

E os poemas sofridos.

 

 

 

Alijó, 28/03/2023

Francisco


27.03.23

Bebo o cálice de cicuta

Peço ao diabo que coloque mais lenha na fogueira

Escrevo a última carta

Puxo de um cigarro

Desenho nos lábios da paixão

A forca

Depois

Recebo a visita do criador

Quer que eu me transforme em árvore

Digo-lhe que não me apetece

Digo-lhe que vá para o caralho…

 

Sento-me à porta do cemitério

E conto os barcos que passam

Desenho na mão os barcos que passam

E os barcos que choram

E de todos eles…

Sinto a falta do meu pequeno barco a motor

Que colocava numa pequena poça… junto ao mar

E passava as tardes em círculos

Toda a tarde

Em círculos

 

Termino o cigarro

Ainda respiro

Graças a Deus

Levanto-me da cadeira onde me sentava

Em frente ao cemitério…

E começo a escrever no sorriso da noite

Enquanto a noite ainda me sorri

Enquanto a noite…

É noite

 

Depois…

Depois sei que a noite se vai travestir de puta

Que a noite vai correr pelas ruas de Lisboa

Que a noite se vende por um cigarro…

E que o magala de ontem

É o magala de hoje

Que o magala de ontem

Fode o magala de hoje

E que todos os barcos de ontem

São a sucata de hoje

Que os miúdos de ontem

Hoje

Alguns

São assassinos

Bêbados e drogados

Putas e travestis…

 

Bebo o cálice de cicuta

Peço ao diabo que coloque mais lenha na fogueira

Escrevo a última carta

Puxo de um cigarro

E finalmente oiço a voz do silêncio

Pego na espada que transporto junto ao peito

Olho-a

Ela olha-me

E dou-me conta…

Que o triciclo com que eu brincava

Hoje é um monstro

De madeira

Tem olhos azuis

E come todos os magalas que brincaram junto ao Tejo.

 

 

 

Alijó, 27/03/2023

Francisco


27.03.23

Se Deus quiser

Todas as estrelas tombarão sobre o mar,

Todas as nuvens se vestirão de negro,

Se Deus quiser

Deixará de haver luar,

Se Deus quiser

O silêncio dará lugar ao caos…

E viveremos todos na desordem.

 

Se Deus quiser

Seremos todos pobres,

Esfomeados,

Poetas vagabundos…

Drogados.

 

Se Deus quiser

Acordarão do Inferno todos os demónios

E todos os mortos…

Tão belo, Francisco…

Tão belo todos os mortos retomarem à vida,

Uns bons,

Outros…

Outros filhos da puta,

Como os bons,

Também os filhos da puta têm o direito à vida…

À puta da vida.

 

Se Deus quiser

Morrerão todas as flores,

E todas as flores deixarão de ter perfume…

Cheiram tão mal…

As flores…

São imundas,

Não tomam banho.

 

Se Deus quiser

Morrerão todas as árvores

E todos os pássaros;

Tão parvos os pássaros…

E tão estúpidas,

Tão estúpidas as árvores.

 

Se Deus quiser

Pode desaparecer,

Ir embora,

Esconder-se dentro de um cubo de vidro…

E já agora,

Tal como as flores…

Que tome um banhinho de sais…

E desapareça;

Desapareça.

 

 

Alijó, 27/03/2023

Francisco


27.03.23

Despeço-me de ti, meu amor,

Enquanto o sono não me consome,

Enquanto o sono não me come…

Como comeu o meu pai,

Como comeu a minha mãe.

 

Despeço-me de ti

E das flores do nosso jardim,

Despeço-me das tardes junto ao mar,

Das noites debaixo do luar,

Despeço-me de ti, meu amor,

Enquanto o sono não me consome…

Enquanto o sono não me come.

 

Despeço-me dos livros,

Das telas e dos livros…

Que já devia ter queimado,

Tal como das minhas palavras,

Que me despeço,

Entre abraços e pingos de alegria,

Porque meu amor, a despedida…

A despedida é alegria.

 

Despeço-me de todas as coisas,

Que de belas,

Nada têm…

O que tem de belo uma flor,

Um poema,

Ou uma simples tela?

De belo nada têm…

Apenas têm sofrimento,

Dor…

E noites de insónia.

 

 

 

Alijó, 27/03/2023

Francisco


27.03.23

Algures, 27 de Março de 2023,

Meu querido,

 

Provavelmente, quando leres estas minhas palavras, já não estarei entre os vivos e, todo o meu sofrimento terá terminado.

A Francisca, desculpa, meu querido, desculpa… pois, não sabes quem é a Francisca.

A Francisca, a minha filha, já está no terceiro ano de engenharia computacional (não sei a quem ela sai)… vê lá, como o tempo passa, como o tempo voa. Como o tempo voa… meu grande amor.

Sei que brevemente irei partir, sem que te tenha contado toda a verdade, também não sei a razão de te ter ocultado (sim, meu querido, tu, tu és o pai biológico da Francisca), e só agora, que vejo o final do túnel e a luz… é que ganhei coragem de lhe contar; ficou furiosa comigo e julgo que me vai odiar eternamente; tal como tu, talvez… me irás odiar eternamente, mesmo sabendo que tu, meu grande amor, és incapaz de odiar o que quer que seja. Preferes sofrer de que odiar.

E sabes, meu querido, o meu maior receio é que ela nunca venha a procurar-te, gostar ou amar-te; tão teimosa que ela é, mas tal como tu, que és incapaz de dizer a alguém que a amas ou gostas, também ela, também ela é assim…

Peço-te perdão, por tudo.

Recordo os livros que líamos em conjunto, recordo as palavras que me escrevias, e sim, meu querido, as tuas palavras faziam-me sentir tão especial, tão segura… tão… tão amada como nunca o fui. A minha vida foi um erro, um erro que paguei muito caro e que talvez esta maldita doença seja o castigo de Deus por todo o mal que te fiz.

A nossa filha está impossível. Quase não quer falar comigo, não sei se é devido ao meu estado ou ao ter que encarar a verdade; que tu és o pai dela.

Lamento, mas a Francisca nem o teu nome quer ouvir…

Mas peço-te, meu querido, peço-te que tentes conversar com ela, e aviso-te já que não será fácil, pois além de teimosa, ela é também muito orgulhosa; a quem é que ela sairá!

Se eu tivesse forças, juro-te pelo todo o amor que sempre tive para contigo… juro-te que me suicidava, mas já nem forças tenho, neste momento sou um vegetal à espera de voar… voar em direcção ao mar, ao mar que tu tanto amas.

Perdoa-me meu querido, perdoa-me por tudo.

 

Desta que nunca te esqueceu,

 

 

Até um dia, meu querido.

 

(ficção)

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