10.12.21
Trazias nas mãos a transparente geada.
Sabia que nos teus lábios de amêndoa,
Habitavam as cerejas,
E brincavam os gladíolos adormecidos
Junto à pesadíssima enxada.
Escrevia no teu corpo todas as palavras de escrever,
Desenhava em ti todas as Primaveras da minha existência,
Verões cansados, Invernos infinitos,
Escrevia no teu corpo o poema
Das manhãs de viver,
Das manhãs de partir.
Planto no meu jardim
A tua sombra adormecida,
Com os teus olhos de luar…
Quando a Lua a fingir
Finge que não sabe amar.
Trazias nas mãos a transparente geada,
O grito uivo da madrugada,
Deslizando calçada abaixo,
Até se alicerçar no mar.
No mar,
Ela cansada;
Cansada das minhas flores
Sempre a derramarem lágrimas,
Gotículas de suor nas palavras de cantar.
E sentava-me a olhar a maré
Fotografando pássaros, paisagens e pequenos nadas.
Coisas simples e com prazer,
Prazer do infinito
No infinito, sem fé.
A minha mãe dizia-me; - meu filho, a fé é que nos salva.
E nada salva ninguém,
Nem ninguém pertence a alguém…
Quanto mais salvar…
Que nem ela foi salva.
Aprisiono-me a este corredor
Sem janelas físicas,
Inventando sombras nas tristes paredes.
Traços,
Riscos,
E afago algumas pétalas de flor.
Escrevo. Escrevo muito sem o saber.
Escrevo palavras em todos os cantos da circunferência hiperbólica
Das noites perdidas;
Escrevo, desenho e pinto,
Coisas que as pessoas me dizem para fazer.
Escrevo cartas a um remetente esquecido.
Resolvo equações a quem precisar,
Escrevo muito,
Escrevo junto ao mar,
Nas tuas mãos a transparente geada; nada está perdido.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 10/12/2021