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Cachimbo de Água

Blog de Francisco Luís Fontinha; poeta, escritor, pintor...

Blog de Francisco Luís Fontinha; poeta, escritor, pintor...


30.06.13



foto: A&M ART and Photos


 


Flutuávamos como duas abelhas sobre desejos de mel, abraçavas-me e beijavas-me, não percebendo eu, o significado do amor em equações diferenciais, acariciava-te a integral tripla dos teus seios, e tu, tu olhavas-me como se eu fosse uma flor com pequenas convulsões, desejava-te, e não percebia, que eu, também mulher como tu, mergulhava num círculo de tédio com pequenos cubos de insónia, olhava-te, olhava-te... até me cansar, até desapareceres do meu espelho verde alface que sempre viveu dentro do meu coração, flutuávamos como duas serpentes e acabávamos pela manhã, entre a madrugada e o amanhecer, enroladas uma na outra, como duas cordas em sisal, como duas âncora a aprisionar barcos que gemiam enquanto éramos pássaros, que saltitavam os quintais dos velhos pescadores, como nós éramos, meu amor, duas simples gaivotas sem qualquer plano de voo,


Tinha medo de perder-te, e ausentares-te de mim, quando o pensava, parecia-me um suplício, uma tristeza disfarçada de palavras, poucas, porque bastavam-nos os lábios, e nunca, nunca precisávamos de livros, sebentas... ou canetas de tinta permanente, porque éramos pétalas vagueando sobre um rio em delírio, porque te amava como ainda te amo, a ti, ao teu corpo, aos teus sonhos, e às tuas algas,


E como é triste, o silêncio do teu corpo,


Como são tristes, as tuas algas, os teus esconderijos, que fazes-me procurar-te entre pinheiros e gaivotas, entre marés e o pôr-do-sol, como é difícil olhar-te e ouvir da tua voz


Amo-te, minha querida,


Como, o quanto difícil é, dizer-te


Amo-te, minha querida,


Como são tristes, as tuas nádegas, depois de partires, como será sempre triste, a tua triste ausência, navegando tu pelas sílabas dos alicerçados desejos, e como são tristes, todas as peles bronzeadas que te conheci, quando deitavas a tua cabeça sobe os meus seios, e imaginávamos barcos a brincarem nas nossas coxas...


Sempre tua,


Ana.


 


(ficção não revisto)


@Francisco Luís Fontinha



30.06.13



foto: A&M ART and Photos


 


Acreditava que voavam os pássaros


como voavam as tuas mãos nas janelas do meu peito


fingia-me de morto


apenas para perceber a cor das tuas lágrimas


acreditava que voavam as flores


como voavam os teus lábios nos meus lábios


acreditar


acreditando que as noites são pedacinhos de pano


com beijos em papel...


acreditava que voavam seios teus


em minhas mãos de sílaba adormecida


eu, eu acreditava,


 


Acreditando


acreditar que todas as manhãs acordavam as minha antigas sandálias em couro


esquecidas debaixo das mangueiras


acreditava que dormias em pé e te enrolavas no cacimbo


acreditava que voavam os pássaros


como voavam as tuas coxas sobre o trapézio da madrugada...


 


acreditar eu acreditava


mas não te amo como amo o voo dos pássaros


mas não te amo como amo as minhas pobres sandálias em couro


acreditava que voando como os pássaros


eu poderia voar como o amor sobre o mar ao cair a noite


acreditava que vias nas minhas palavras as fotografias de ontem


enquanto brincávamos sobre as bananeiras do teu quintal...


acreditava que voavam os pássaros


como voavam as palavras em versos esfomeados


distorcidos


infelizes como eu por acreditar nos pássaros voando não voando como nós


eu, eu acreditava.


 


(não revisto)


@Francisco Luís Fontinha



29.06.13



foto: A&M ART and Photos


 


Deixei de ti os silêncios envergonhados


alicerces maleáveis com cabeça de madeira


deixei em ti o sulco prometido das rosas envelhecidas


cantigas da madrugada


cantigas... palavras húmidas


que o teu corpo absorve


como uma esponja recheada de lâmpadas de halogéneo...


como uma mão emprestada,


 


Cantei de ti


as cantigas profanadas nos jardins da insónia


gostei de ti em ti depois das estrelas sobre a cama nocturna com olhos de luar


entrarem em mim


deixei de ti


os silêncios envergonhados...


deitados os maleáveis sonos programados pelo relógio portátil em paredes ocas de gesso...


e um coração de ti parece romper as cordas que prendem a tenda do circo ao chão de areia,


 


Cansei-me de ti


em ti


por mim


entre colunas de granito e traves velhas de castanho...


cansei-me


das palavras ocas das paredes húmidas


em corações de gesso?


Mentiras de ti quando acordam em mim os silêncios envergonhados...


 


(não revisto)


@Francisco Luís Fontinha



29.06.13



foto: A&M ART and Photos


 


Saltávamos o pequeno muro todos os finais de tarde, após a escola, às vezes com milímetros de fome a brincar nos estômagos vazios, nós, nós existíamos apenas porque tínhamos de existir, era-nos proibido desistir, era-nos proibido entrar no quintal do senhor António Joaquim de Alicate, homem robusto, homem rude, e de poucas palavras,


Um dia


E das poucas palavras, as poucas palavras, se não servissem para resmungar com três ou quatro miúdos, serviriam para quê? O quê? Não acredito, queixava-se ele, um dia, quando ia para entrar no palheiro e viu-me sobre o telhado, em pés de lã à procura de uma velha bola de futebol, gritou-me


Agora salta!


Claro que eu, incrédulo comigo mesmo, saltei, caí, não me magoei... e consegui desprender-me das suas garras de lobo solitário, Palavras? Para quê? E ainda hoje, durante a noite, quando abro a janela e espero que regresse, sinto-as


Agora salta,


Sinto-as ao redor do meu esguio pescoço, como se fossem finos arames suspensos entre duas árvores, eu, incrédulo, vestido de palhaço, percorro o arame, e sinto-as, as mãos do senhor António Joaquim de Alicate e a triste bicicleta da menina Alzira, que ainda hoje, quase com noventa anos


Olá, menina Alzira... está boazinha?


Claro que sim, responde-nos, e desde o salto mortal entre quintais, que ela, que ele, que nós, nós que supostamente não era para existirmos, inacreditavelmente, existimos, e ainda hoje, em todos os finais de tarde, saltamos os quintais invisíveis, alguns deles foram degolados por escavadoras e bulldozers, tal como o senhor António Joaquim de Alicate, robustos, de poucas palavras, para quê palavras?


Agora salta...


E eu saltei, voei sobre as espigas de trigo, e em vez de cair


Ainda hoje sinto-lhe as mãos no meu esguio pescoço,


E em vez de cair sobre uma leve cama de espigas de trigo com lençóis de cansaço, não, não ouvi as palavras dele, não percebi as palavras dela,


Ainda hoje


Menina,


Ainda hoje


Salta,


Ainda hoje


Olá, menina Alzira... está boazinha?


Um dia


E das poucas palavras, as poucas palavras, se não servissem para resmungar com três ou quatro miúdos, serviriam para quê? O quê? Não acredito, queixava-se ele, um dia, quando ia para entrar no palheiro e viu-me sobre o telhado, em pés de lã à procura de uma velha bola de futebol, gritou-me


Agora salta!


E eu, ainda hoje, não consegui poisar o meu corpo no doce chão, nós, três ou quatro, de quintal em quintal, saltávamos os pequenos muros, e eu, ainda hoje, tenho saudades do senhor António Joaquim de Alicate e da menina Alzira, e eu


Sobre o telhado do palheiro...


E eu, hoje, sinto-lhe as mãos no meu esguio pescoço.


 


(ficção não revisto)


@Francisco Luís Fontinha


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