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Cachimbo de Água

Blog de Francisco Luís Fontinha; poeta, escritor, pintor...

Blog de Francisco Luís Fontinha; poeta, escritor, pintor...


31.05.13



foto: A&M ART and Photos


 


(não foi por falta de tempo que ainda não escrevi sobre o teu corpo, mão porque o teu corpo seja desajeitado, não, porque ele é lindo, belo, desejado, não foi por falta de tempo, como os livros em fila de espera, como os textos em círculos dentro da minha cabeça, à espera de uma mão e de uma caneta, e claro, papel, não é por falta de tempo, mas confesso, que do teu corpo, sairá um dos mais belos textos, prometo, e não é, não foi, por, falta, de tempo, porque tempo, é certamente o que mais tenho...)


Não observava a luz natural desde que por decreto Real mandaram encerrar todas as janelas com vista para o mar, assim, deixamos de olhar os peixes em cardumes fingindo brincadeiras num qualquer jardim de uma aldeia encastrada na montanha bela adormecida, suas árvores diurnas caminhavam como pedras descendo ravinas, subindo escadas, galgando socalcos e olhando o Douro curvilíneo entre sombras e barcos imaginários, sentávamos-nos nas mãos flácidas dos pássaros negros com pintinhas brancas, recordavam-nos os velhos lençóis de areia que deixamos sobre a mesa da cozinha, quando também por decreto Real, tivemos de abandonar a cabana na margem direita da ribeira, pescávamos, às vezes, entre intervalos, entre palavras, oferecia-te um beijo, desenhava-te um abraço no teu corpo, aquele que espera pelas minhas palavras, que por falta de tempo, preguiça, quiçá... MEDO, ainda não o escrevi, sobre ele, olhando-o como se eu fosse o espelho de olhos verdes que te vê subindo as paredes do desejo, e esse belo corpo uma árvore semi-nua esperando o vento para se baloiçar nas cordas da manhã quando acorda, e as persianas do teu olhar, meias estonteantes, embriagadas pelo sono vernáculo que as palavras provocam no esqueleto feminino...


Tenho fome,


De ti?


Do medo, de olhar-te sem roupa e de não ser capaz de resistir à mais bela imagem a preto-e-branco, pendurada nas garras de um cortinado, velas parecendo lâmpadas, fósforos sobre o lava-loiças como silêncios em alumínio panelas, a sopa, o bacalhau esfriado, insosso, demolhado,


(apetecia-me um cigarro)


Invento nomes de objectos estranhos, lembro-me do hipercubo e de todas as histórias à sua volta, o porquê de ele ter nascido dentro de mim, das pessoas que me acompanharam, apadrinharam, coitadas delas, a paciência para me ouvirem sobre uma coisa quase estranha, mas real, lógica, geométrica, penso


Poderá o corpo nu ser um hipercubo?


E se


Penso, como serás quando todas as lâmpadas estiverem silenciadas, como as pessoas, de boca cerrada por um cortina de fogo, penso, como serás dentro das minhas mãos, quando eu, por uma mera suposição, manuseasse esse teu corpo de hipercubo, complexo, vagabundo no sentido poético, em desejo, eu,


E se, eu? E se eu transformar o teu corpo de hipercubo em flores com pétalas de papel, como as gaivotas, quando sobrevoam os teus seios...


Perceberás as minhas palavras, e dir-me-ás que sou louco, e dir-me-ás que já não queres, que eu, escreva sobre o teu corpo, o mesmo, aquele que é desejado e durante a noite se veste de hipercubo, sobe ao telhado e fica... assim, como eu, imune às imagens de marinheiros escrevendo nas paredes da madrugada...


 


(não revisto)


@Francisco Luís Fontinha



31.05.13



foto: A&M ART and Photos


 


Acreditava no silêncio


e perguntava-me porque todos os ausentados


esqueciam as pequenas rochas às palavras acorrentadas em pedaços sofrimentos


entre aços veleiros e panos transparentes suspensos sobre a cidade das colmeias adormecidas,


 


Acreditava na madrugada


quando eu próprio mergulhava nas suas garras como um vampiro desalmado


triste


cansado,


 


E mesmo assim eu acreditava


no silêncio


nas palavras


e nos muros de vedação,


 


Acreditava no betão


e nos telhados de areia


nas nuvens e na chuva miudinha dos Sábados à tarde...


… acreditava que o teu corpo era uma fina folha em papel crepe,


 


Distante


fundida como as lâmpadas da sala de jantar com pratos embriagados


e talheres roubados


da mesa de um ricaço qualquer...


 


Acreditava como serpentes em madeira


correndo no corredor da vizinha


e do apartamento ao lado


eu acreditava nas imagens negras em sabão clarim...


 


(não revisto)


@Francisco Luís Fontinha



30.05.13

Significo nada


como uma pomba sem pátria


significo muito pouco ou quase nada


quando das ilhargas manhãs de Primavera


oiço as vozes camufladas


por nuvens e gaivotas acorrentadas,


 


Significo apenas um número com dígitos assombrados


significo quase nada no jardim das plumas árvores vestidas em purpúrea


entre migalhas de porcelana


e beijos inseminados nas ventosas gargantas da montanha branca


significo... não o acredito depois de ver desaparecer os muros em cartão


que separavam o meu quintal dos tristes fins de tarde,


 


Contávamos os barcos com letras pintadas a oiro


e bandeiras em pano de alecrim


gritávamos como os loucos entre janelas com grande ferrosas


e pequenos arbustos de asas de algodão...


significo nada


como uma pomba tristemente abandonada num País sem Pátria.


 


(não revisto)


@Francisco Luís Fontinha


30.05.13



foto: A&M ART and Photos


 


Atravessávamos o lótus húmido da manhã


como eram as escadas que deslizavam ruela acima


sentávamos-nos sobre uma sombra gargantilha


e dos pinheiros mansos de Carvalhais


ouvíamos as eiras graníticas correrem em direcção à ribeira dos aflitos,


 


Éramos novos e crianças


mal sabíamos ler e escrever


e falávamos entre sons desconexos como pedras a invadirem a montra de uma ourivesaria


tínhamos livros


e apenas víamos as imagens deslizantes como serpentes sem cabeça,


 


Gostava de ti ainda


como às paisagens de África circunflexas no interior do osciloscópio


e mágicos invadiam as janelas com cinco vidros pintados de encarnado anoitecer


vinha a noite


e via-te encostada a uma jangada invisível na esperança de voares,


 


Nunca o fizeste como comigo depois de eu ter caído no poço da angústia


tínhamos na boca o sabor a ervas ou a bolhas castanhas com asas verdes


deslizavam sobre uma lâmina de alumínio como correm todas as bolhas


quando chovem diamante e lábios de areia


entre canoas e pedaços de osso argamassado contra os eléctricos da Baixa,


 


O rio da saudade ornamentava-se e entrava em nós como silêncios gemidos


sobre uma cama de pensão com paredes rendadas e crucifixos suspensos sobre a cabeceira


olhávamos-nos no espelho


e os nossos corpos nus misturavam-se com o reflexo do velho crucifixo


… e assim deixávamos em suspenso o amor canino com dentes de marfim...


 


(não revisto)


@Francisco Luís Fontinha


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