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Cachimbo de Água

Blog de Francisco Luís Fontinha; poeta, escritor, pintor...

Blog de Francisco Luís Fontinha; poeta, escritor, pintor...


30.09.12

Não existe,


elevam-se na infinita tarde de Outono as mãos da Primavera, a viagem invisível do cais recheado de sombras e socalcos de suor não termina nunca, e o telegrama da morte enrola-se nas oliveiras misturadas em aventuras e palavras sem destino,


 


- ai o que eu sofro, oiço-o constantemente como se o galo falante da vizinha se transformasse nele, e ele sem perceber que na noite da aldeia vagueiam roseiras embrulhadas em versos de amor, o amor começa a evaporar-se e uma azul garrafa de espumante absorve-o, alimenta-se dele, com borbulhas encarnadas,


 


deixou de existir o mar onde me escondi numa manhã de Setembro, e mergulhei até fingir que a vida é uma mera confusão de nomes e mulheres sobre as mesas do bar suspenso nas teias de aranha do silêncio, não existe a maré de Agosto, não existe


 


- ai o que eu sofro,


 


as margaridas de papel e os crisântemos, não existem barcos como antigamente que rompiam a solidão na esperança de regressarem dos prometidos sonhos e subiam as escadas da infância até ao sótão da escola primária onde brincava a ardósia com sorrisos infestados de cintilantes pálpebras abraçadas às finíssimas asas de vento que sobre o rio sem nome desapareciam, orgulhosamente distante, ouvia-o, eu, só


 


- ai...


 


ouvia-o nos suspiros húmidos do corpo almofadado, do céu desciam cordas e algumas frases sem nexo, as cordas construídas pelos gemidos gritavam e ordenavam aos pássaros assassinos que matassem todos os livros da aldeia, os poemas morrem de tédio e não existe


 


- ai o que eu sofro,


 


não existe amor que sobreviva ao Oceano da solidão,


 


- sinto-o quando abro a janela de incenso e um profundo olhar sobre o mar que deixou de existir numa manhã de Setembro diz-me que as abelhas odeiam os meus desenhos, e um profundo olhar sobre o mar que deixou de existir numa manhã de Setembro diz-me que as rosas com perfume artificial odeiam os meus poemas e textos, e oiço-o na loucura do prazer a alicerçar o terraço da aldeia às sílabas transparentes,


 


não existe louco amor no Oceano da solidão, e todos os barcos do céu voam como todos os pássaros da terra navegam nas águas da tristeza, e as noites parecem o inferno enfeitado com plumas e pulseiras de marfim, enfim, amanhã, transparentes todas as ruas da cidade,


 


- ai o que eu sofro, e deixei de o ouvir.


 


(texto de ficção não revisto)


29.09.12

Há olhares suspensos no canganho da saudade


há saudade dissolvida na esfera da manhã


quando o rio esmagado pela tristeza do sol


dorme docemente entre as nuvens de algodão


olho os teus seios sem sentido


em busca da água fresca da montanha


 


evaporo-me


e escondo-me


quando as cortinas dos teus cabelos


e evaporo-me


e escondo-me


nos teus lábios desenhados na sombra da noite


 


quando as cortinas dos teus cabelos enlouquecem os machimbombos


que brincam nas ruas de uma fotografia


e Luanda desaparece


e de Luanda chega até mim o cheiro da neblina que afaga um papagaio de papel


 


prendo o cordel ao portão de entrada


e sinto


evaporo-me


e escondo-me


e sinto o quintal a subir até ao céu de estrelas vermelhas


 


e sei que na lua...


os teus seios


e sinto


nas rodas dentadas do tempo


as árvores de papel prensado


e sei que na lua habita um menino com um triciclo de mel.


 


(poema não revisto)


28.09.12

Às escadas solitárias


da casa assombrada


um vidro de imensidão fúnebre


abraça o cadáver da noite


pergunto-me se o amor existe


ou


ou não passa de um sonho encalhado no oceano da insónia


perfeitamente mergulhada nas planícies entre as paredes da infância


 


às escadas


a solidão


às escadas da morte o perfume das rosas de papel


que a miúda do rés-do-chão esquerdo construiu com sorrisos de medo


e lágrimas de incenso


 


é de noite


e todas as estrelas dormem dentro da casa assombrada


 


às escadas solitárias


chegam os uivos e gemidos de um mar imaginado


que o miúdo com sorrisos de medo


irmão da miúda com sorrisos de medo


espera pela chegada das árvores do Outono


 


é de noite


e todas as estrelas dormem dentro da casa assombrada


 


e eu sinto-me milimetricamente enjaulado nas três paredes de veludo


com um crucifixo suspenso


circunflexo


à roulote da vida


o circo com trapezistas e palhaços e crianças com sono


 


é de noite


e todas as estrelas dormem dentro da casa assombrada


pergunto-me se o amor existe


e percebo que todos os cigarros da saudade


morreram


e hoje uma ténue luz substitui a clarabóias do sonho


 


se o amor existe


(quero-o).


27.09.12

Às vezes perco-me nos corredores dos arbustos que vivem nos meus olhos de vento


corro em direcção ao mar


e abraço-me aos cristais de prata que a garganta dos barcos enjoados


vomita contra as palavras de miséria


 


atravesso a ponte


e começo a voar até ao infinito destino da maré


e oiço os gemidos das andorinhas


a construírem a primavera que acordará depois de adormecer o inverno de ontem


 


às vezes visto-me com folhas de árvore


e bebo a saliva que as lágrimas do céu


deixam cair sobre as montanhas que beijam o rio da saudade


 


corro


às vezes


em direcção ao mar


 


mergulho nas planícies cansadas do abismo


antes de adormecer


e encerrar todas as luzes dentro da minha mão


 


(poema não revisto)


26.09.12

Há uma lua de papel


dentro de ti


redondinha


quadrada


à espera de ser amada


há uma lua


sem ti


senti


nas paixões do homem de prata


uma lua dentro de ti


que afaga a cidade


e ilumina a calçada


 


há uma lua endiabrada


dentro do teu ventre de mar


uma lua


uma lua de nada


nos braços de uma flor


 



há uma lua dentro de ti


vestida


embrulhada em finíssimos sorrisos de pérola adormecida


 


há uma lua de papel


dentro de ti


uma lua com sabor a mel


dentro de ti


há uma lua


com portas e janelas e olhos de vidro


 


há uma lua de papel


nos lábios


dentro de ti


o desejo verso da solidão ausente


feliz


nos lábios


contente porque nas acácias vêem-se os pássaros do silêncio tua dor


uma lua de papel nos braços de uma flor.


 


(poema não revisto)

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