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Cachimbo de Água

Blog de Francisco Luís Fontinha; poeta, escritor, pintor...

Blog de Francisco Luís Fontinha; poeta, escritor, pintor...


31.05.11

O vento revoltava-se na parada do quartel, ao longe a ponte suspensa por cabos de aço, do Tejo apenas o cheiro que se entranhava nos nossos corpos ancorados às páginas dispersas que na parede da arrecadação um calendário nos olhava, fumávamos cigarros fora de validade, ficávamos com tonturas, e o Tejo no nosso colo, e o Tejo enrodilhado nos cortinados poeirentos, e da noite entrava o jantar recheado de sopa intragável e raquetes da tropa, mais conhecida no mundo artístico por solha, maldita, malditas janelas viradas para o quelho, nas traseiras prédios em ruínas agarrados ao silêncio, nos olhos as lágrimas, roupa a saltitar nas janelas e que nos espiavam na noite, eu, eu com tonturas,


 


- Eu dentro da arrecadação de óculos de sol, os meus olhos aumentavam de peso e volume, saiam-me das orbitas e pareciam dois berlindes que se faziam passear no corredor, os cigarros fora de validade, o meu corpo não lá, o meu corpo no Texas em Cais de Sodré, e dentro do armário, na camarata, à minha espera o livro de Boris Pasternak “Doutor Jivago”, acordava durante a noite com os berros das ratazanas em luta, o sangue caminhava no corredor, fechávamos as portas e elas ao sabor dos nossos pontapés, e eu de óculos de sol fixando o tecto, e defecar um martírio e um dilema constante com a retrete turca, ou bem que devia cagar ou estar de olho nos colhões porque as ratazanas através do cano de esgoto vinham passar a noite ao nosso lado,


 


Embebedavam-se e como nós fumavam cigarros fora de validade, tontas, rodopiavam junto às baratas e as baratas brincavam na loiça, uma merda, ratazanas, baratas, formigas e cigarros fora de validade, olhava-se o rio, e junto à margem um cagalhão a tomar banho, a roupa pendurada nos prédios do quelho acenava-nos mas o vento balançava-nos como se fossemos um ramo de oliveira, uma folha de papel azul com vinte e cinco linhas a fazerem queixa de mim,


 


- E eu a subornar o gajo da justiça com uma caixa de laranjas e um garrafão de vinho, manteiga em pacotinhos e meia dúzia de latas de sumo, e a estes filhos da puta tudo lhes servia,


 


 Ratazanas percorrendo cada milímetro do subsolo, e eu, e ele, corríamos a parada durante a noite com uma geringonça mais parecendo uma máquina de sulfatar a que chamavam máquina fotográfica, recolhíamos as sombras, mas quando íamos ver as imagens, imagens nenhumas, o vento tinha-as levado para o Tejo, o vento da Ajuda comia-nos em pedacinhos, a nós, às baratas, às ratazanas e às formigas, e até as putas e os paneleiros de Cais de Sodré eram engolidos pela noite…


 


 


 


(texto de ficção)


Luís Fontinha


31 de Maio de 2011


Alijó


31.05.11

Sinto a falta dos abraços


Quando eu menino


As mangueiras do meu quintal


Poisavam na minha mão


 


E da sombra sorriam nuvens


Pedacinhos de sonho


Sentados à beira mar


 


Sinto a falta dos abraços


E eu agora não menino


Não mangueiras no meu quintal…


E eu agora um esqueleto esquecido no caixote do lixo


 


Dois braços agarrados a uma árvore


E duas cansadas pernas enterradas na areia…


 


Sinto tanto a falta dos abraços


O cheiro


Sinto a falta da sombra


Sinto a falta da minha infância.


 


 


Luís Fontinha


31 de Maio de 2011


Alijó


31.05.11

Se nos teus olhos de manhã adormecida


Acordasse o cansaço das minhas mãos


Quando mergulhadas no oceano


E acariciam os teus lábios em silêncio


 


No meu corpo pendurado nas nuvens


Crescia a noite sem estrelas,


 


Os barcos aumentavam de volume


E os peixes escondiam-se na sombra das árvores…


Se nos teus olhos de manhã adormecida


Acordasse o cansaço das minhas mãos


 


A minha boca silenciava-se na madrugada


E nos meus braços agarravam-se flores de papel,


 


Mergulhavam na terra as abelhas em delírio


E na parede da cozinha um calendário acorrentado


Prisioneiro dos infindáveis desejos


Que habitam nos teus olhos de manhã adormecida…


 


 


 


Luís Fontinha


31 de Maio de 2011


Alijó


30.05.11

Oxalá aconteça algo de bom nas nossas vidas, sim e eu consiga vencer esta batalha, sim, oxalá que do sol venha até nós o movimento pendular dos nossos corpos, sim e eu me abrace nos teus lábios enquanto passeamos junto ao mar, e eu me abrace na tua boca enquanto a neblina se alicerça nas tuas coxas.


 


- Sim oxalá


 


Olha-se ao espelho, e dele os tentáculos da manhã poisam nas suas mãos camufladas pelo cacimbo, os alfinetes que seguram o vestido dela dormem profundamente e no espelho sente-se a fome transmitida pela imagem de um magricelas, o papel de parede extingue-se no candeeiro do quarto, o vestido dela, o vestido dela suspenso nas lágrimas de uma criança esquecida no recreio da escola, os nossos corpos encostam-se, nos nossos corpos milímetros quadrados de desejo avançam em direcção ao ascensor, ele divide-se em três e ela, ela mistura-se com a saliva quando na parede da sala o relógio em mentiras desacreditadas escreve sílabas desajeitadas, palavras que quase não se lêem, sombras que abrem a boca para prenunciar vagarosamente que são cinco horas da tarde.


 


- Oxalá aconteça algo de bom nas nossas vidas, procuro no álbum de fotografias e apenas encontro um miúdo de dentes arreganhados, pulseiras nos braços e anéis nos dedos, um crucifixo em gargalhadas junto ao peito, uma menina segura-lhe o braço, e a menina com o tempo perdeu-se, a menina aos poucos engolida pelos musseques, sim e eu consiga vencer esta batalha,


 


Ele soldado, ele de fato e gravata, ele sentado numa cadeira de praia, e oxalá amanhã a praia entre pela janela do meu quarto, ele e ela constroem castelos de areia nos lençóis e quando o guarda-fato os olha, ela em sorrisos ela abanando os bracinhos, ela em pequeníssimas dentadas no pescoço dele,


 


- Sim oxalá.


 


 


(texto de ficção)


Luís Fontinha


30 de Maio de 2011


Alijó


30.05.11

A rua em movimento


Nas pessoas silêncios pendurados nos lábios


Tosse convulsa emerge da boca de uma árvore


E parvo eu


 


Que ainda acredito que o mar vem até mim


Acredito que da maré vão crescer desejos


Abraços no fim de tarde


E parvo eu


 


Tão parvo


Junto ao cais à espera de embarque


E parvo eu


Pedindo às gaivotas que os ponteiros do relógio cessem


 


Diminuam na claridade dos lençóis amarrotados


Quando a minha cama se recusa a adormecer o meu corpo


Quando no meu quarto as gaivotas


Poisam no meu peito


 


E do meu corpo acorda o cheiro a cadáver


A pó que o mar quer engolir


E parvo eu


Tão parvo


 


Indiferente à rua em movimento


Nas pessoas silêncios pendurados nos lábios


Das pessoas passos de monstro


Nas pessoas… sorrisos devastados.


 


 


Luís Fontinha


30 de Maio de 2011


Alijó

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