Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Cachimbo de Água

Blog de Francisco Luís Fontinha; poeta, escritor, pintor...

Blog de Francisco Luís Fontinha; poeta, escritor, pintor...


28.02.11

 


A lentidão sonora dos teus beijos

Nos meus lábios de pergaminho

O teu sorriso pétalas ao vento

Voando no meu infinito como um passarinho,

 

A manhã sem acordar

E as minhas mãos poisadas no teu peito,

A manhã dormindo profundamente,

Ausente, sem jeito.

 

Os meus lábios em busca da tua mão

Que algures se perde no meu corpo cansado,

A manhã continua dormindo

E o sol… não há notícia de ter acordado…

 

A lentidão sonora dos teus beijos

Nos meus lábios de pergaminho

E da janela entreaberta nasce o silêncio

Acorda a manhã com soninho,

 

Começa a gatinhar por entre os teus seios

E na minha mão cresce uma begónia…

Meu deus… tanta luz que jorra dos teus olhos,

E eu, submerso na insónia.

 

 

Luís Fontinha

28 de Fevereiro de 2011


28.02.11

 


As tintas agarradas à tela que nas sombras das águas furtadas a minha mão espalhava como se acariciasse a relva acordada em manhãs de primavera, ele escondia-se dentro do guarda-fatos e este sacudia-o em repentinos solavancos, e os solavancos em soluços à espera da chegada da noite.

Pássaros cansados suspensos nas tílias e das águas furtadas seminuas, apenas um divã, um guarda-fatos onde ele se escondia, e uma cadeira desencontrada no tempo, as telas, pincéis, tubos de tinta vazios e pouca coisa mais, e lixo. Ele um miserável e dias tinha que nem vinte cêntimos na algibeira, e as tintas aos berros,

- é por isso que ninguém se apaixona por este teso…

E os pincéis,

- miserável,

E dos tubos vazios nasciam silêncios e estes agarravam-se à tela, abraçavam-na e aos beijos olhavam as tílias, os pássaros suspensos, e os pássaros suspensos à espera de um carinho, um simples olhar, e passavam horas em sonhos irrealizáveis, sonhos,

- um dia vou ter umas águas furtadas não de brincar mas das outras, as de verdade, com muitas telas e tintas e pincéis e divãs e não guarda-fatos porque depois já nãp preciso de me esconder, e uma mulher que me ame e que me deixe pintá-la,

Sonhos,

Sonhos de pássaros suspensos em tílias, e ele já nem vinte cêntimos no bolso, metia a mão na algibeira, nada, conforme entrava assim saia, e a tela,

- tenho fome,

E os tubos vazios de tinta,

- um cigarrinho,

Um cigarrinho para matar a saudade de outros tempos, e fumo nada, apenas a claridade da rua, e cinquenta degraus, e umas águas furtadas de brincar, e o lixo pendurado junto à porta da entrada, e os pincéis,

- uma moedinha para o cafezinho,

Um cafezinho porque as tintas agarradas à tela que nas sombras das águas furtadas a minha mão espalhava como se acariciasse a relva acordada em manhãs de primavera, e a primavera ainda tão distante, e só amanhã, hoje não, hoje só chuva, só frio, só umas águas furtadas de brincar, e pássaros suspensos nas tílias com sonhos, e sonhos nada, nem vinte cêntimos na algibeira,

- miserável,

Miserável o guarda-fatos aos solavancos à espera dos soluços da noite…

 

(Texto de ficção)

 

Luís Fontinha

17 de Fevereiro de 2011


28.02.11

 


O meu corpo emagrece

Ao compasso das horas em desespero

Ao fundo da rua

Deus olha-me

Ou finjo não o ver

Deus zangado comigo

E aos berros

Apenas percebo que me insulta

 

Tenho vergonha e escondo-me nas sombras

E das sombras escrevo poemas

Deus ignora-me

Deus decididamente não gosta de mim.

 

Chamo o teu corpo de seios ao léu

E junto ao rio

Passo-lhe a mão

E percebo que o teu corpo não é uma tela

 

É um reflexo de pétalas

Que se esconde no meu jardim

E deus deseja-te

E eu desejo-te como se fosses um silêncio

 

Uma madrugada inacabada.

Tenho fome

Tenho medo da noite

E da tua voz emerge o desejo

 

E deus

Despede-se do teu corpo…

E no teu corpo escrevo pacientemente…

Amo-te; porque te amo eu?

 

 

Luís Fontinha

27 de Fevereiro de 2011

Alijó


28.02.11

 


Ele falava com as árvores e dizia que atravessava paredes, ele sentado junto a uma oliveira, fumava cigarros de enrolar e desesperava na esperança que um gavião lhe dissesse boa tarde.

E boa tarde nenhuma.

O poço junto a ele encolhido na saudade, e a saudade em passos apressados caminhando em sentido contrário ao dele, e quando chegava junto ao extremo da leira, acenava-lhe, e o António de mãos à abanar,

- que faço eu aqui sentado,

O filho escrevia frases na terra comida pelo sol, e o António preocupado, pois o Miguel nunca tinha ido à escola, como poderia saber escrever?

Sem que o filho percebesse começou a ler em voz semi-baixa,

- as minhas mãos cansam-se no teu rosto quando a chuva miudinha submerge os teus cabelos de Outono, e ao fundo da rua, junto à esquina da pensão, um girassol abraça-me, beija-me, e no seu sorriso está escrito a palavra mar…

E enquanto enrolava um cigarro o medo comia-lhe as mãos, tremulas devido ao que acabava de ler, como era possível o Miguel apenas com cinco anos já saber escrever, e ele que só tinha a instrução primária não entendia o que estava escrito na terra,

- o meu filho só pode estar doente…

E o filho repentinamente,

- Pai, o que são protões?

E o pai com rosto de parvo,

- Quê?

E o Miguel despreocupado,

- Protões pai, o que são?

Sei lá o que é essa coisa…

Ele falava com as árvores e dizia que atravessava paredes, ele sentado junto a uma oliveira, fumava cigarros de enrolar e desesperava na esperança que um gavião lhe dissesse boa tarde, e a única preocupação era que tinha de acordar todos os dias às cinco da madrugada e andar todo o dia com a focinheira na terra, e de protões nunca tinha ouvido falar na vida.

O miúdo levanta-se em passos lentos e dirige-se ao pai, e apenas com o olhar diz-lhe,

- sabes pai ontem falei com a lua…

E o senhor António aos berros…, foda-se…

- que foi pai?

Queimei-me com o cigarro…

 

 

Francisco

19 de Fevereiro de 2011

Alijó

Pág. 1/2

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2023
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2022
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2021
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2020
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2019
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2018
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2017
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2016
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2015
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2014
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2013
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2012
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2011
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub